Título: Na Defesa, tradição do sigilo barra transparência
Autor: Rizzo, Alana; Nossa, Leonencio
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/05/2012, Nacional, p. A4

O discurso de transparência da presidente Dilma Rousseff, no debate da Lei de Acesso à Informação, esbarrou na velha tradição das Forças Armadas de manter em sigilo os documentos da ditadura militar. O Ministério da Defesa se recusou a responder a cinco pedidos de informação feitos pelo Estado no último dia 16, quando a lei entrou em vigor, sobre os 41 guerrilheiros presos e depois fuzilados no Araguaia (1972-1975) e os casos Riocentro (1981) e Vladimir Herzog (1975).

A um pedido sobre a relação dos prisioneiros do Araguaia, a Defesa respondeu: "Informo que não foram encontrados documentos sobre o assunto constante do seu pedido nos arquivos da Marinha". O militar que respondeu o pedido não esclareceu onde procurou os dados. Em 1993, a Marinha, o Exército e a Aeronáutica entregaram um dossiê para o então ministro da Justiça, Maurício Corrêa, com algumas informações sobre os guerrilheiros. Em um trecho, deixaram escapar que tinham utilizado como fonte um depoimento da guerrilheira Dinalva Teixeira, a Dina, fuzilada em 1974.

A má vontade expressa pelo Serviço de Informação ao Cidadão (SIC) do ministério em esclarecer as dúvidas sobre o regime militar contradiz com a prática da própria pasta em repassar informações a oficiais. Em 2008, a Defesa entregou um alentado relatório ao militar da reserva José Vargas Jimenez sobre a atuação dele no Araguaia. O militar pedia os dados para ganhar uma promoção. O relatório incluía informações coletadas no arquivo que a pasta diz que não existe.

O SIC do ministério sinalizou que ainda pretende contabilizar como "respostas" meras comunicações de inexistência de dados. Ao responder a um questionamento do Estado sobre a morte de Vladimir Herzog, a pasta, apenas mencionando não possuir informações sobre o caso, registrou a demanda em seu SIC como "respondida".

Arquivos. O arquivo do CIEx, o antigo Centro de Informações do Exército, criado em 1967, que coordenou a neutralização e repressão das guerrilhas rural e urbana, está no Setor Militar Urbano, em Brasília. Já o arquivo do Cenimar está no prédio anexo do Comando da Marinha, na Esplanada dos Ministérios.

O discurso militar de que os arquivos da ditadura não existem é mantido desde 1985, quando começou o chamado período de redemocratização. O ativista Jair Krischke, do Movimento Justiça e Direitos Humanos, avalia que o início da Comissão da Verdade passa pelos arquivos oficiais. "É mentira dizer que os arquivos não existem. Uma das primeiras missões da Comissão da Verdade é bater a porta dos quartéis e pendurar o bilhete no pescoço do tigre."

Em 2005, o programa Fantástico, da TV Globo, informou que documentos da ditadura tinham sido queimados na Base Aérea de Salvador. A assessoria da Aeronáutica reagiu e afirmou que todos os documentos da época tinham sido destruídos num incêndio no Aeroporto Santos Dumont, no Rio, em 1998. Em 2010, uma parte considerável dos documentos "destruídos" foram mandados intactos para o Arquivo Nacional.