Título: Só 4 ou 5 produtos representam70% das exportações
Autor: Landim, Raquel
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/05/2012, Economia, p. B8

Rubens Barbosa, presidente do conselho superior de comércio exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), defende uma reforma na estrutura de comércio exterior do Brasil. Para reverter a tendência de primarização da pauta exportadora, ele acredita que o País precisa revigorar a Câmara de Comércio Exterior (Camex). "A Camex está enfraquecida, esvaziada", disse Barbosa, em entrevista ao Estado. A seguir trechos da entrevista.

Os economistas preveem queda no superávit comercial do Brasil em 2012. Como reverter isso?

Não vejo como um problema porque o superávit ainda vai ser grande. Agora isso pode ser uma tendência. E, nesse caso, vira um problema complicado para o governo. A economia brasileira, nos últimos anos, cresceu com base na exportação. Nos últimos três anos, o impulso veio da expansão do mercado doméstico. Há uma concentração muito grande de poucos produtos de exportação para gerar o superávit. Quatro ou cinco produtos que representam 70% da pauta de comércio exterior brasileira e todos produtos primários. A grande preocupação do governo deveria ser a perda da competitividade das manufaturas brasileiras.

O governo lançou política industrial nesse sentido. É suficiente?

Foram tomadas algumas medidas que vão no caminho correto, mas não resolvem o problema. São medidas pontuais, conjunturais, que tentam dar uma contrapartida para o setor privado. Foram feitas para compensar o câmbio, as altas taxas de juros e tudo que se convencionou chamar de custo Brasil.

As medidas de defesa comercial foram intensificadas. O governo Dilma é protecionista?

Dentre as medidas conjunturais, estão uma série para proteger os setores mais vulneráveis por causa da apreciação do câmbio e da alta taxa de juros. Todos os países estão tomando medidas restritivas para proteger o mercado interno. Podem ajudar no curto prazo a impedir um grande fluxo de importação de produtos estrangeiros, sobretudo vindos da China, que prejudicam a indústria brasileira. Mas não resolvem o problema. Não é através do protecionismo que vamos resolver os problemas internos do País. O custo Brasil só vai ser reduzido com reformas importantes em todas as áreas.

As atribuições sobre o comércio exterior estão divididas por vários ministérios. Isso provoca lentidão nas decisões?

É um problema que já estudamos há muito tempo na Fiesp. O conselho de comércio exterior fez uma proposta sobre isso. É um absurdo que hoje existam 16 órgãos que interferem no comércio exterior e mais de duas mil normas. Não existe um comando claro. Com o comércio exterior brasileiro ultrapassando meio trilhão de dólares este ano, está chegando o momento de reorganizar essa área. A nossa sugestão na Fiesp é que seja examinada no Brasil seriamente a ideia de se criar uma presidência da Camex, e subordinar o órgão diretamente à Presidência da República - da mesma forma que funciona nos EUA. Não se trata de criar nenhum novo ministério ou de aumentar a burocracia, mas de colocar foco no comércio exterior. Hoje a Camex é um órgão dentro do Ministério da Indústria e Comércio. O ministro é o presidente da Camex, mas isso é uma das suas atribuições.

A Camex está enfraquecida?

Ela está enfraquecida, esvaziada. As reuniões ministeriais praticamente não ocorrem. Pela lei, a Camex é um colegiado que tem a atribuição de examinar, formular e definir as políticas de comércio exterior. Hoje não faz isso. Todas as medidas que mencionamos foram feitas à margem da Camex. A estratégia de negociação comercial também não é examinada pela Camex. O objetivo não é retirar a competência de nenhum órgão, mas dar peso político para a Camex e dar um foco ao setor privado. Além dessa reforma do comércio exterior, há uma série de reformas que estão em discussão há algum tempo. No Brasil, estamos chegando à mesma situação da Índia. Nos últimos meses, a economia indiana começou a ter um declínio no crescimento, porque não eles conseguem aprovar as mesmas reformas que estamos discutindo no Brasil. O crescimento da economia brasileira vai desacelerar, se não houver disposição política do governo e do Congresso para enfrentar os problemas. A presidente Dilma hoje dispõe de um capital político altíssimo, que deveria ser aproveitado para liderar uma negociação séria e reduzir o custo do Brasil. E poderia começar tudo com a reforma tributária e a reforma da estrutura do comércio exterior.

Em seu artigo mais recente no "Estadão", o sr. diz que a visita da presidente Dilma a Washington foi um passo "discreto" na construção de uma agenda Brasil - Estados Unidos. Por que o sr. qualifica como discreto?

Pelos resultados que alcançou. A ambição tanto dos EUA quanto do Brasil é muito pequena. Do lado dos EUA, não teve nenhuma proposta. Nós levamos algumas propostas. A presidente fez um chamado para que o setor privado americano invista no Brasil. Foi algo importante, mas discreto. Em vários setores poderíamos ter uma ação mais forte. Por exemplo: cooperação no área espacial, parcerias o pré-sal. Nas últimas semanas, tivemos dois fatos muito significativos. Estiveram no Brasil a secretária de Estado, Hillary Clinton o secretário de Defesa, Leon Panetta. Você vai dizer que não há nada de concreto. Mas o fato de o governo americano mandar para o Brasil dois funcionários cruciais na estrutura americana é importante. Eles não vieram aqui para passear. O que tentei mostrar no meu artigo foi que, apesar de a agenda Brasil - EUA estar mais desbloqueada do ponto de vista ideológico, com um relacionamento mais prático, os passos que estamos dando ainda são modestos.

Hillary Clinton chegou a falar em um acordo de livre comércio para o Brasil. O sr. vê alguma chance de isso ocorrer?

Isso é algo retórico. Não há nenhuma condição de fazer hoje um acordo de livre comércio como foi pensado no passado. E não é por causa do Brasil, mas dos EUA Eles não podem abrir o setor agrícola para os produtos brasileiros. Do ponto de vista comercial, o que pode avançar mais é a simplificação. Temos o TECA, Acordo de Cooperação Econômica e Comercial com os Estados Unidos, que foi assinado durante a visita do presidente Obama ao Brasil. Pela primeira vez, o TECA prevê a possibilidade de negociar as barreiras sanitárias, que abriria o mercado americano, por exemplo, para as carnes brasileiras.