Título: Trauma da reunificação explica a resistência alemã a estimular gregos
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Fonte: O Estado de São Paulo, 27/05/2012, Economia, p. B15

Quando a Alemanha tenta compreender a Grécia e a crise que afeta a Europa, o país olha não apenas para a periferia do continente, ao sul, mas também para dentro, para a antiga Alemanha Oriental, que ainda enfrenta dificuldades após mais de duas décadas transcorridas desde a reunificação alemã.

Os estrangeiros não sabem até que ponto as lições tiradas desta experiência - que levou a Alemanha Ocidental a despejar trilhões de euros na metade oriental, em troca de poucos benefícios imediatos - informam as perspectivas e decisões dos governantes e eleitores alemães, cuja maioria prefere que a Grécia deixe a zona do euro, de acordo com pesquisas de opinião.

A maioria dos economistas concorda que a Alemanha poderia fazer mais para ajudar a reanimar o crescimento em toda a zona do euro. Há relatos segundo os quais a chanceler Angela Merkel estaria se preparando para propor um plano abrangente para a União Europeia tendo em mente este objetivo.

Mas a relutância da Alemanha em garantir as economias da Grécia e de outros países em dificuldades não é apenas uma questão que decorre do comportamento parcimonioso dos alemães, que não gostam de abrir o cofre, e sim da ideia de que subsídios não levam a economias de sucesso.

"Por si só, o dinheiro não ajuda", disse Simon Huber, 44 anos, que tinha saído para uma caminhada perto do Portão Sendlinger. "Só podemos nos considerar salvos quando salvamos a nós mesmos."

Embora ouçam rotineiramente os apelos de seus colegas do outro lado do Atlântico, que falam na necessidade do estímulo para reverter a péssima situação de países como Grécia e Portugal, os especialistas alemães creem ter mais experiência na tentativa de reviver economias pouco competitivas depois de quase 23 anos lidando com a antiga Alemanha Oriental. "Participamos de um experimento na vida real", disse Hans-Werner Sinn, presidente do Instituto Ifo de Pesquisa Econômica.

Enquanto o desemprego na antiga Alemanha Ocidental é de 6%, no leste ele permanece mais alto, 11.2%. Em 2010, o PIB per capita foi superior a 40 mil na antiga parte ocidental, mas ficou aquém dos 30 mil no leste; em 1991, estes números eram 27,5 mil euros para o lado ocidental e 12 mil euros no lado oriental. Mas os especialistas dizem que boa parte da redução na diferença entre os dois lados decorreu da migração de pessoas que vieram atrás de emprego no lado ocidental, fator tão importante quanto as possíveis melhorias ocorridas no leste.

Reconstrução. Houve histórias de sucesso no renascimento de cidades como Dresden e Leipzig, e algumas regiões, principalmente aquelas localizadas no extremo sul da antiga Alemanha Oriental, vivem situação melhor. Mas a parte oriental do país é conhecida hoje pelas praças reconstruídas com perfeição, que ficam vazias durante a maior parte do dia, e novos trechos de estradas, pouco usadas.

"A Alemanha fez grandes investimentos na infraestrutura da Alemanha Oriental", diz Klaus Adam, professor de economia da Universidade de Mannheim. "A esperança de que o restante se seguiria não foi cumprida. É preciso aumentar os números da produtividade."

Enquanto boa parte da Europa segue a liderança do presidente francês François Hollande, que pede pela emissão conjunta de títulos da dívida comum, ou eurobônus, como solução para os problemas da Europa, a ampla maioria dos alemães rejeita a ideia. Para os ouvidos alemães, a demanda pelos eurobônus soa menos como uma solução técnica para a crise e mais como uma maneira de usar a boa classificação de crédito da Alemanha para afastar reformas difíceis, porém necessárias.

"Não se pode confiar a classificação de crédito do país a ninguém se não for possível controlar os gastos", disse Jens Weidmann, presidente do banco central alemão, em entrevista ao jornal Le Monde na sexta feira. "A criação de um "pool" comum de endividamento não é a ferramenta certa para o crescimento", disse Weidmann, ex- conselheiro econômico de Merkel. "Isto traria problemas econômicos e legais. Não acho que seremos bem sucedidos se tentarmos reduzir a crise de endividamento com novas dívidas externas aos orçamentos normais."

Merkel dominou o processo decisório político europeu durante boa parte da crise, culminando em março no pacto fiscal para reduzir os déficits orçamentários, assinado por 25 dos 27 países da União Europeia. Mas países como Grécia e Espanha apresentaram desempenho econômico insuficiente.

A vitória de Hollande nas eleições deste mês contra o antecessor, Nicolas Sarkozy, e o apoio agressivo manifestado por ele em relação a novas medidas e gastos para aumentar o crescimento levaram Merkel à defensiva. O tão aguardado plano de Merkel para o crescimento da Europa é debatido na chancelaria e nos ministérios da economia e das finanças. Para Berlim, a resposta não é "mais Europa", como Merkel diz, e certamente não é uma quantia substancial de novos recursos, mas sim "mais Alemanha". O grau em que a Alemanha espera remodelar a Europa à sua imagem é mais claro do que nunca.

A revista Der Spiegel relatou que um plano de seis pontos estava sendo preparado, incluindo incentivos para empresas de tamanho médio, relaxamento das proteções contra a demissão de funcionários, zonas econômicas especiais e até uma versão do sistema alemão de treinamento duplo, dividido entre as escolas vocacionais e o trabalho direto nas empresas. Empreendimentos de propriedade do governo serão vendidos num processo semelhante ao da Treuhand, agência que ajudou na privatização da Alemanha Oriental. "A região do Mediterrâneo deveria se parecer mais com a República Federal, contando apenas com um clima mais ameno", disse a Spiegel.

Mas o retrato unidimensional dos alemães como mestres desalmados da austeridade é apenas parte da história. A ideia de poupar vem acompanhada por uma forte crença nas redes de assistência social; não se trata do capitalismo descontrolado, mas de um modelo conhecido como economia social de mercado. "Concordo que países endividados até as orelhas devam fazer os cortes necessários", diz Jonas van Westen, consultor de mídia que mora em Munique. "Mas estes cortes deveriam ser mais profundos nos demais setores, e não só no bem estar social."

Opinião popular. Fala-se muito na tomada de decisões contra a vontade do povo grego, mas o mesmo pode ser dito a respeito da Alemanha, onde a maioria se opôs à participação na zona do euro por temer que outros países se aproveitassem do tesouro alemão. Os eurobônus podem ser considerados pelos alemães um perigoso exagero.

Esta semana, o provocador populista e autor de best-sellers Thilo Sarrazin publicou um livro chamado A Europa não precisa do euro. Sarrazin, ex-membro do conselho do banco central alemão que ganhou as manchetes dois anos atrás com um livro que criticava os imigrantes muçulmanos, disse que um reflexo alemão de "penitência pelo Holocausto e a guerra mundial" não seria satisfeito até que "nosso dinheiro esteja nas mãos da Europa".

A agitação contrária ao euro promovida por Sarrazin, dado a exageros, atraiu menos atenção - e menos apoio - do que seus ataques aos imigrantes, mas talvez ele esteja se antecipando aos eventos. "O limite da irmandade alemã se estendeu à Alemanha Oriental, e todos viram o que ocorreu com 2 trilhões nos últimos 20 anos", diz Michael Burda, professor de economia da Universidade Humbolt, de Berlim. "Naquele caso, tratava-se de pessoas amadas pelos alemães. Eles não consideram os gregos seus irmãos." / TRADUÇÃO AUGUSTO KALIL