Título: Entidades que defendem direitos da mulher criticam TJ
Autor: Bassette, Fernanda
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/06/2012, Nacional, p. A14

ONG diz que caso expõe drama de mulheres que recorrem à interrupção insegura de gravidez e pede debate da sociedade

O Estado de S.Paulo

Entidades que defendem os direitos das mulheres criticaram a decisão do Tribunal de Justiça de mandar para júri popular a desempregada Keila Rodrigues, pela prática de um autoaborto.

Já a Comissão Vida e Família da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil afirmou em nota que o ato é gravíssimo, mas que, "em determinadas situações, deve prevalecer sobre o aspecto punitivo, o de possível acolhida e tratamento".

Em nota, a comissão diz que o governo precisa implementar políticas públicas que garantam os cuidados à gestante e à criança ainda no ventre.

"O aspecto punitivo, no entanto, não pode ser desprezado, pois é um sinalizador pessoal e social de fundamental importância, além de resguardar e proteger uma vida humana inocente e indefesa."

Kauara Rodrigues, assessora técnica do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), diz que nos últimos anos as mulheres voltaram a ser punidas pela prática do aborto.

Ela relembra um caso de 2007, em que quase 10 mil mulheres foram indiciadas pela prática de aborto em uma clínica de planejamento familiar em Mato Grosso do Sul.

"Essas mulheres foram vítimas de perseguição e quase duas mil delas sofreram vários tipos de violação aos direitos humanos", diz Kauara.

Desespero. No caso de Keila, Kauara diz que o sigilo profissional envolvendo o caso da paciente foi violado - o que é ilegal. "Ela é uma mulher pobre vivendo em uma situação de absoluta marginalidade e desespero. São essas mulheres que recorrem à interrupção insegura da gravidez e são elas que são punidas", diz.

Maria José Rosado Nunes, presidente da ONG Católicas Pelo Direito de Decidir, recebeu a notícia com surpresa. "A pergunta que a sociedade deve fazer é: "A solução para essa mulher é prender ou cuidar?"", disse.

Autoaborto. Para Maria José, é preciso entender as razões que levaram Keila a provocar um autoaborto. "Uma mulher só aborta quando considera que levar uma gravidez naquele momento é impossível para ela, seja por condições psicológicas, financeiras ou de abandono", diz.

Kauara avalia, entretanto, que o fato de o aborto ter sido praticado no quinto mês da gestação pode pesar contra Keila na hora do julgamento.

"Não foi aborto, foi um parto. Isso poderá prejudicá-la. Mas não dá para dizer que essa mulher teve acesso aos meios de impedir uma gravidez. Isso é julgamento moral", diz.

Já Maria José diz que esse fato deve ser visto como mais uma razão para discutir o tema. "Ela provavelmente só provocou esse aborto no quinto mês porque não teve meios de fazer isso antes. A mulher só faz o aborto quando encontra condições. Ela é a vítima e a sociedade deveria estar no banco dos réus." / F.B.

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