Título: Cruzeiro do Sul tinha consignados fictícios
Autor: Friedlander, David
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/06/2012, Economia, p. B1

A contabilidade do banco Cruzeiro do Sul está contaminada com pelo menos 300 mil créditos consignados fictícios para esconder prejuízos acumulados pela instituição. Por isso, o rombo no banco pode ser maior do que o R$ 1,3 bilhão estimado inicialmente pelo Banco Central (BC).

Foi esse receio que fez o BTG Pactual, de André Esteves, desistir de comprar a instituição, que ontem sofreu intervenção do BC, como antecipou o Estado. O Fundo Garantidor de Créditos (FGC), nomeado pelo BC administrador do Cruzeiro do Sul a partir de ontem, contratou a PriceWaterhouseCoopers para apurar o tamanho real do rombo.

Apesar da intervenção, o objetivo do BC e do FGC é encontrar uma solução de mercado para o Cruzeiro do Sul. Em outras palavras, se o tamanho do buraco permitir, vendê-lo para outro banco. A alternativa é a liquidação pelo Banco Central, saída que tem sido evitada pelo governo brasileiro nos últimos anos.

O BC descobriu irregularidades nas contas do Cruzeiro do Sul em abril. Entre elas, créditos fictícios que teriam sido lançados na contabilidade para esconder prejuízos que vinha acumulando. Há cerca de 15 dias, o BC pediu que os controladores do banco cobrissem o rombo. Deu prazo de uma semana. Inicialmente, os donos procuraram o FGC, que descartou uma ajuda por causa dos altos valores.

O Cruzeiro do Sul, então, foi oferecido ao BTG Pactual. As negociações começaram terça-feira passada e foram até domingo. Esteves iria pagar simbolicamente R$ 1 pelo banco, mas queria garantias contra eventuais "surpresas" - como as que envolveram o Panamericano, cujo rombo inicial de R$ 2,5 bilhões acabou pulando para R$ 4,3 bilhões. O FGC, uma entidade privada que, na prática, é controlada pelos grandes bancos, não aceitou.

O Regime de Administração Especial Temporária (Raet) seria decretado de qualquer maneira e os controladores do Cruzeiro do Sul afastados em razão do tamanho e da natureza das irregularidades encontradas. A diferença para o que aconteceu é que, idealmente, o BC e o FGC queriam que o Cruzeiro do Sul abrisse as portas ontem administrado pelo BTG.

Como não houve acordo, o BC determinou, ontem de manhã, que o Cruzeiro do Sul entraria no Raet. Para executar a tarefa, escolheu o FGC, que já tinha feito uma operação com o banco em 2011. Por meio de um Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (Fdic), o FGC abriu uma linha para o Cruzeiro do Sul que poderia chegar a R$ 3,5 bilhões. Desse total, foi utilizado R$ 1,3 bilhão.

Além de definir uma nova gestão para o Cruzeiro do Sul, a decisão de ontem do BC tornou indisponíveis os bens de 15 pessoas que exerceram cargos de chefia no banco nos últimos 12 meses. Entre eles, estão os proprietários da instituição, Luis Felippe Índio da Costa e Luís Octavio Azeredo Lopes Índio da Costa.

Os novos administradores têm 180 dias para apurar o tamanho do rombo. "Mas não acreditamos que será necessário tudo isso", disse o diretor executivo do FGC, Antônio Carlos Bueno. Segundo ele, em cerca de 60 dias, a Price deve apresentar o resultado da auditoria.

Esteves disse a interlocutores que continua interessado no Cruzeiro do Sul e pretende reavaliar o negócio depois do trabalho do FGC.