Título: A proa do nosso barco aponta na direção certa
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/06/2012, Vida, p. A21

O Brasil e o Rio de Janeiro estão em melhores condições para realizar a cúpula do meio ambiente do que há 20 anos, na Rio-92. Já o mundo está pior, por causa da crise econômica, que o arrasta para preocupações imediatas, quando o meio ambiente é uma aposta de longo prazo. A comparação é do embaixador Marcos Azambuja, que foi coordenador da Rio-92. "A proa do nosso barco aponta na direção certa", avalia ele, em relação às credenciais ambientais do Brasil, embora não esconda suas preocupações com o pré-sal.

Em entrevista ao Estado, Azambuja, de 76 anos, que atua como consultor do Banco Mundial e de um projeto do governo suíço sobre "diplomacia da água", pondera que houve avanços em relação a temas como a camada de ozônio, a chuva ácida e a preservação das espécies, mas que o desafio de hoje, quanto às alterações climáticas, parece grande demais: "Não conseguimos nos colocar de acordo sobre que alterações são essas".

Durante esses preparativos para a Rio+20, em que medida o seu sentimento é de déjà vu com as ansiedades e aflições que antecedem uma cúpula dessas, e em que medida a situação é totalmente diferente da Rio-92?

Há dificuldades, desafios, e imagino que quem está montando a Rio+20 esteja vivendo aspectos parecidos àquilo que nós atravessamos há 20 anos. Mas as circunstâncias não são mais as mesmas. O Brasil e o Rio estão melhores para acolher do que estavam em 92. E o mundo, em piores condições para criar novas regras do jogo.

Por quê?

Há uma crise econômica que perdura, que não consegue ser superada, e volta a levar a Europa, os Estados Unidos e a nós, por consequência, a uma turbulência. Aqueles anos da década de 90 foram o começo de um ciclo extraordinário: fim da Guerra Fria, a ideia de que democracia, direitos humanos e meio ambiente seriam a nova ideologia e os novos valores. Hoje, o presidente dos Estados Unidos não deve poder vir, porque está numa disputa eleitoral difícil. Alguns outros grandes líderes também não virão. Logo, há uma situação de inquietação e de desaceleração da economia mundial. O mundo nunca é generoso. Mas, quando há uma crise econômica, é menos ainda. De modo que o momento não é daqueles que levam os estadistas a olhar muito para a frente. Cada um se preocupa com o seu próprio imediato.

Quando a coisa aperta, ou quando há eleição, parece que a questão ambiental tem uma conotação supérflua. Isso mudou nesses 20 anos?

A retórica mudou um pouquinho. Fez-se muita coisa benfeita. A camada de ozônio, em ampla medida, não é mais um tema. Nem a chuva ácida. Foi feita a recuperação de uma série de espécies ameaçadas. O ar que se respira nas cidades é melhor. Há ganhos reais. O problema é que nós nos propusemos um desafio tão imenso, que exige realização, que é o problema das alterações climáticas, com uma base factual ainda frágil. Nós não conseguimos nos colocar de acordo sobre que alterações são essas. Até que ponto elas são criadas pela ação humana, se elas são apenas parte de um ciclo momentâneo, se nós estamos a caminho de um grande dano permanente ao meio ambiente. Quando se fala em alterações climáticas, fala-se em tudo: na maneira como o homem vive, produz, opera, reproduz-se. Sob essa expressão ambígua - alterações climáticas -, temos a proposta de rever toda a maneira de organização da vida humana no planeta.

O Brasil não é forte militarmente, é emergente economicamente e tem buscado credenciais nas áreas dos direitos humanos e do meio ambiente para a sua inserção internacional. A questão ambiental pode ajudar o Brasil a ganhar influência política?

Não só pode como é fácil para nós. O Brasil tem condições de ter uma matriz energética mais diversificada do que quase todos os outros países. Ele pode ser virtuoso sendo útil para si mesmo, ir mais para os biocombustíveis, a energia nuclear, o gás natural. O Brasil tem cartas boas para jogar. Não é dependente do carvão e do petróleo apenas, que são mais poluentes. O Brasil tem dado ao mundo a seguinte ideia: nós ainda não chegamos lá, mas a proa do nosso barco aponta na direção certa. A cada ano, nossos padrões de comportamento em direitos humanos e meio ambiente ficam mais rigorosos. Então, para o Brasil, esse novo temário internacional é mais confortável que para os outros.

O pré-sal não pode contaminar isso, como locomotiva das projeções econômicas do Brasil?

O pré-sal me preocupa um pouco. Ele se dá em situações desafiadoras extremas, em profundidade da lâmina d"água e distância da costa. Mas é onde nós encontramos nosso grande reservatório de petróleo e talvez de gás natural. E a tecnologia anda mais depressa que as nossas preocupações.

Mas ele não pode inibir o etanol e outras fontes renováveis?

É a preocupação da doença holandesa, de que o petróleo fique tão grande que se descuide das demais fontes. Se ele tivesse chegado ao Brasil alguns anos atrás, teria tido esse efeito, como teve na Venezuela, tão dependente do petróleo que tudo mais se esterilizou. O Brasil já tem uma diversificação maior. Precisamos ficar atentos, para que continue sendo um grande produtor de energia hídrica, (e se torne) de energia eólica e solar. O Brasil está vocacionado a jogar em todos os tabuleiros. Agora, o risco sempre existe, de que o pré-sal receba um excesso de atenção.

Nesse jogo de projeção, o Brasil deve lançar mão de parcerias com a China, Índia, Rússia e África do Sul, como tem feito, ou partir para um voo solo?

Acho que nenhum país pode ser solo mais. O unilateralismo não vai dar mais. Mesmo a superpotência tem de se acomodar, fazer composições. O Brasil, que tem dez vizinhos, tem vocação para isso.

A presidente Dilma dá uma ênfase maior ao desenvolvimento do que ao meio ambiente, em comparação com os presidentes Lula e Fernando Henrique?

Sem crescimento não pode haver austeridade, como mostra a crise na Europa. O meio ambiente se beneficia quando as coisas vão bem. Os governos têm uma propensão a preferir aquilo que eles podem fazer dentro dos seus mandatos. O meio ambiente não dá resultado em quatro anos. Ele se estende além de uma administração. Seus prazos são históricos, não eleitorais. A presidente Dilma tem um desafio maior que os presidentes Lula, Fernando Henrique e Fernando Collor, que estava no governo em 1992, porque o mundo está mais preocupado com o imediato.