Título: Falta clima para investimento privado
Autor: Landim, Raquel
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/06/2012, Economia, p. B9

Para realizar uma politica de investimentos, a presidente Dilma Rousseff deveria deslanchar um programa de privatizações e tomar uma série de medidas para melhorar o ambiente de negócios no Brasil. A recomendação é do economista Armando Castelar Pinheiro, coordenador de economia aplicada do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

"Algo que fosse visto como crível ajudaria as empresas a investir", disse Pinheiro ao Estado. Para ele, mais importante que aumentar o investimento público é estimular o investimento privado. "O Brasil é um país que oferece bons retornos, mas antes de incluir os impostos. Depois de toda a carga tributária, o retorno não é tão interessante assim". A seguir trechos da entrevista.

A presidente Dilma pediu aos ministros uma política pró-cíclica de investimentos. Como funcionaria?

Acho que, no fundo, a presidente queria dizer que quer uma política anticíclica para combater o desaquecimento. Pro-cíclico é adotar medidas que estimulam mais a demanda quando o país está crescendo ou reduzem a demanda quando já está desaquecendo. Por exemplo: se o BC baixa juros e a economia está muito aquecida, adotou política pró-cíclica. Geralmente é feito o contrário. Se a economia está andando muito devagar, o BC baixa os juros; se a economia está andando muito depressa, o BC sobe os juros.

No contexto atual, o Brasil precisa de uma política anticíclica de investimentos?

A presidente quer que o investimento aqueça a demanda num momento em que a economia está andando devagar. O investimento é parte da demanda. Ao investir numa hidrelétrica, por exemplo, é preciso contratar construtoras, que por sua vez vão contratar mão de obra e fornecedores. Por causa da hidrelétrica, serão construídas linhas de transmissão. Os trabalhadores vão ter renda para consumir. O investimento é parte da demanda e multiplica seu impacto na economia. No curto prazo, ele gera inflação. Mas, num segundo momento, vira capacidade instalada e permite crescer sem gerar inflação.

Excluídos gastos com o programa Minha Casa, Minha Vida, o investimento público não cresce, apesar da disposição política do governo. Qual é o problema?

Tem questões de caráter administrativo, como as mudanças no Ministério dos Transportes, que tiveram repercussões no processo de contratação de obras. Mas majoritariamente os investimentos não crescem por três fatores. Primeiro, os projetos têm uma série de problemas e acabam parando no Tribunal de Contas da União. Ou seja, a contratação das obras não está suficientemente azeitada e o processo para nos trâmites de controle públicos. Segundo, mesmo quando se passa da fase de projeto, existem várias questões, como obter a licença ambiental. Isso também reflete uma má preparação. Há uma série de projetos no Ministério dos Transportes de empresas que venceram a licitação, mas não conseguiram entregar a obra. O processo de licitação tem que ser aperfeiçoado. Terceiro, é preciso melhorar a segurança jurídica do investidor, particularmente na área de infraestrutura. Por exemplo: as agências reguladoras estão muito enfraquecidas. O investidor exige retorno alto porque enxerga muito risco.

Algumas empresas que vencem a licitação não conseguem entregar a obra. Como conciliar a obtenção de um bom resultado na licitação com a garantia de entrega da obra?

Talvez seja o caso de ceder um pouco mais no preço e trabalhar com mais certeza nos investimentos. O que ocorre é uma falsa redução de custos, porque os gastos do governo são reduzidos na teoria, mas na prática não tem investimento. Não estamos conseguindo atrair projetos viáveis. Isso aconteceu na segunda etapa de privatização de rodovias no governo Lula. Os projetos vencedores previam um pedágio muito baixo, mas os investimentos nunca ocorreram. É o famoso barato que sai caro.

Pode ocorrer o mesmo na recente licitação dos aeroportos?

Havia uma expectativa de que as vencedoras dos leilões seriam grandes operadoras. Mas ganharam empresas que não tinham o perfil que o governo desejava. É cedo para dizer (se os projetos vão sair do papel). Há que se dar um crédito a quem ganhou de que vai realizar o projeto. Mas, pelas declarações do próprio governo, se tornou uma fonte de preocupação. É preciso ter equilíbrio melhor entre a redução de preços e a segurança do investimento. Por exemplo, estabelecendo penalidades no caso de não realização da obra ou criando regras para adaptar as tarifas e reduzir o risco de quem investe.

Como melhorar a segurança jurídica para o investidor?

Precisamos de agências reguladoras independentes, com alta qualificação técnica, que não sofram influência política. O que tivemos nos últimos anos foi um aumento da influência política nas agências, a redução da sua autonomia financeira, e uma dificuldade para indicar diretores. Elas costumam atravessar prazos longos sem a indicação de diretores. Tudo isso acabou enfraquecendo as agências.

E preciso reduzir o superávit primário para elevar o investimento dado o fraco crescimento da economia?

O investimento público é muito pequeno. Mais importante do que fazer isso (reduzir o superávit primário) é melhorar o clima para o investimento privado no País. A taxa de investimento no Brasil foi de 18,7% do PIB (Produto Interno Bruto) no último trimestre. Desse total, 16% é investimento privado. É esse que faz a diferença. O investimento público precisa ser aumentado, mas não é um projeto para amanhã. Existe um déficit de investimento em infraestrutura no Brasil entre 2% e 2,5% do PIB. Parte disso, provavelmente metade, deveria vir de investimento público, não necessariamente realizado pelo governo, mas por meio de PPPs (Parcerias Publico Privadas), um instrumento que já vai fazer dez anos que foi criado pelo governo e até agora não foi utilizado. Mas é um projeto de médio prazo. Não vai se resolver em três meses. É preciso trabalhar o investimento privado.

Como despertar o "espírito animal" dos empresários?

Obviamente que a crise lá fora gera incerteza, mas o ambiente de negócios no Brasil é muito ruim. Nas pesquisas sobre ambiente de investimento, um dos maiores problemas do Brasil é a alta carga tributária. O Brasil é um país que oferece bons retornos, mas antes de incluir os impostos. Depois de incluída toda a carga tributária, o retorno não é tão interessante assim. A falta de infraestrutura para o investidor privado é um problema sério. E a questão da segurança jurídica também é muito importante para o investimento privado. Particularmente nas pequenas e médias empresas, está sendo enfraquecida no Brasil a separação entre a pessoa jurídica e a pessoa física. Um cidadão abre uma empresa e faz um investimento, que é sempre um risco. Ele pode ter que responder, na pessoa física, por despesas da previdência social, encargos da Receita Federal e processos na justiça trabalhista. Algo que em tese deveria se encerrar na pessoa jurídica acaba se transformando em passivo de muito tempo na pessoa física. O princípio da responsabilidade limitada, algo que desperta o espírito animal, está muito enfraquecido no Brasil.

As questões que o senhor mencionou são de médio e longo prazo. Como deslanchar os investimentos privados no curto prazo?

O governo pode acenar com essas medidas. Isso ajudaria aquele investidor que tem uma visão de médio prazo. Falta no Brasil um programa para melhorar o ambiente de negócios - algo que fosse visto como crível ajudaria. Também deveríamos deslanchar um programa de privatizações ou concessões nas áreas de ferrovias, aeroportos, com muito mais vigor do que foi feito até agora. Isso estimularia as empresas a se preparar. É preciso fazer muito na área de infraestrutura, o que passa pelas privatizações.

O ministro Mantega tem dito que, para estimular os investimentos, é preciso aumentar a demanda. Estimular o consumo ainda é viável ou esbarra no alto endividamento das famílias?

Uma das coisas que efetivamente faz com que o investimento diminua é a empresa ter capacidade ociosa. Se uma indústria tem capacidade ociosa, segura o investimento porque pode aumentar a produção com a capacidade que já tem. É óbvio que mais demanda acaba estimulando o investimento. A questão é como você faz isso. Estimular o endividamento das famílias é um risco amanhã. Podemos ter um problema de famílias muito endividadas que não têm como saldar suas dívidas. Essa receita funcionou bem há dois anos, porque as famílias estavam menos endividadas. Hoje é mais difícil.

Reduzir o custo do investimento pode ajudar?

Pode ajudar, mas não é isso que está segurando. O BNDES hoje oferece linhas a juro real praticamente zero. O que vem segurando o investimento é a carga tributária alta, o alto nível de incerteza macroeconômica e a insegurança jurídica. Se a economia estiver crescendo 7,5% e o empresário enxerga altos retornos, ele passa por cima disso. Mas quando o crescimento é mais baixo, pesa mais.