Título: Intervenção nebulosa
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/06/2012, Notas e informações, p. A3

Foi correta a decisão do Banco Central (BC) de decretar a intervenção no Banco Cruzeiro do Sul e suas coligadas - corretora, distribuidora e securitizadora -, com rombo estimado em R$ 1,3 bilhão. É função da autoridade monetária garantir a higidez do sistema bancário e evitar o risco de crises sistêmicas. Mas o Cruzeiro do Sul já tinha uma história de dificuldades, conhecida das autoridades, e o que se pergunta é por que a intervenção tardou tanto.

Fundado em 1993 e especializado em crédito consignado, o banco abriu o capital em 2007 e enfrentou problemas desde, pelo menos, a crise de 2008/2009. Em 2010, teve operações questionadas pelo BC e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) determinou a republicação dos balanços de 2008 e 2009, que mostravam situação irreal.

Em novembro passado, o Fundo Garantidor de Créditos (FGC) abriu-lhe uma linha de crédito de R$ 3,6 bilhões, quase ao mesmo tempo que o balanço do banco era publicado com ressalva dos auditores por não registrar o valor correto das provisões para devedores duvidosos.

Apesar dos sinais de problemas, o banco comprou, em dezembro passado, outra instituição de pequeno porte (Prosper) por R$ 55 milhões, comprometendo-se a capitalizá-la. Afinal, em abril o BC identificou o lançamento de operações fictícias pelo banco, mas só há 15 dias determinou que o rombo fosse coberto, como apuraram os repórteres David Friedlander e Leandro Modé, do Estado (5/6). Além disso, nossos repórteres apuraram que a contabilidade do banco foi contaminada com milhares de empréstimos fictícios, o que levou a Polícia Federal a instaurar inquérito para apurar indícios de fraude na gestão.

A expectativa era de que surgisse um interessado em assumir o controle do banco. Mas as condições oferecidas pelo único candidato que se apresentou não foram consideradas satisfatórias pelo FGC, que vinha socorrendo o banco. O próprio FGC, afinal, foi designado pelas autoridades para assumir o Cruzeiro do Sul.

O Fundo Garantidor de Créditos foi criado para garantir os depósitos bancários e aplicações em caderneta de poupança até o montante de R$ 70 mil. Mas, nos últimos anos, o FGC resgatou várias instituições (Schahin, Matone, Oboé, Moradia) - além do Banco Panamericano, que tinha como sócia a Caixa Econômica Federal (CEF).

Em dezembro o FGC dispunha de um patrimônio de R$ 28,2 bilhões, e cerca de R$ 4,3 bilhões emprestados a instituições que precisaram ser socorridas. O Fundo é administrado pelos principais bancos do País e os recursos que lhe são aportados provêm de um porcentual sobre os papéis por eles emitidos e outras operações, como os cheques sem fundo. As contribuições dos bancos ao Fundo são obrigatórias e, em última forma, acabam sendo custeadas pelos clientes das instituições.

Na prática, o FGC tem feito as vezes do Banco Central, abrindo linhas de liquidez para as instituições em apuros e tentando encontrar, depois, compradores para as que ficaram insolventes. Pela Lei de Responsabilidade Fiscal, o Banco Central é proibido de financiar bancos privados, salvo via redesconto, instituto que expõe as dificuldades de quem é socorrido e que por isso é evitado pelos bancos a todo custo.

O próprio FGC mudou seu estatuto, há pouco, para fugir do risco do conflito de interesses. Os sócios não podem indicar executivos ou funcionários para o conselho de administração ou a diretoria.

Na intervenção no Cruzeiro do Sul, foi adotado o Regime de Administração Especial Temporária (Raet), com critérios mais rígidos do que os aplicados no caso do Panamericano. Foi determinada a indisponibilidade dos bens dos controladores e ex-administradores do Cruzeiro do Sul.

Entre o Fundo Garantidor de Créditos e o Banco Central há, tudo indica, uma relação íntima, em decorrência da qual o FGC pode agir como se na prática fosse autoridade monetária, facilitando a depuração do sistema bancário. Essa relação precisa ter mais transparência.