Título: Brasil deveria ser compensado por reduzir desmate
Autor: Sturm, Heloisa Aruth
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/06/2012, Vida, p. A17

Florestas são fábrica de água, que é indispensável para agricultura, e, por isso, País deveria receber para mantê-la

O indiano Pavan Sukhdev é um dos maiores especialistas em economia verde. É também o autor de um projeto polêmico, A Economia dos Ecossistemas e da Biodiversidade (Teeb, na sigla em inglês), que atribui valores econômicos à natureza.

"O Brasil está diminuindo o desmatamento e deveria ser recompensado em uma escala global", diz em entrevista ao Estado. Sukhdev está no Brasil para participar da Rio+20 e lançar o projeto Corporation 2020, uma iniciativa para desenhar as corporações do futuro.

Economista do Deutsche Bank e líder do relatório Economia Verde e do projeto Teeb, vinculados ao Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), ele apresenta ideias que poderiam ser seguidas pelo Brasil para garantir padrões sustentáveis de produção e consumo. "Nós usamos a natureza porque ela é valiosa e nós a perdemos porque ela é gratuita", diz.

O senhor criou o conceito de valoração da natureza. O que diria àqueles que pensam que atribuir um valor econômico à natureza é uma ideia ruim, questionando o papel do setor privado nessa área?

O que nós fazemos na Teeb é valorar os serviços do ecossistema. Todos nós usamos a natureza: nutrientes, água, pólen. O valor da polinização chega a mais de US$ 200 bilhões por ano. Mas o cálculo do PIB não reflete esse serviço do ecossistema, apenas o valor global da agricultura. A polinização é economicamente invisível. E é por isso que nós não prestamos atenção a ela. Se o fizermos, poderemos estabelecer políticas que nos levem à proteção e preservação da natureza.

Isso não tem nada a ver com a criação de novas commodities? Não. Nós não estamos tentando vender a natureza. Eu não estou comprando e vendendo abelhas. Não colocamos um preço na natureza, nós atribuímos valor aos serviços do ecossistema. Há uma grande diferença.

E os riscos de ter mercantilização da natureza, com aumento da especulação financeira?

Há modos de controlar isso. Só porque você está valorando os serviços do ecossistema não quer dizer que estamos transformando-os em mercadoria. O que se deve fazer é trazer esses valores para dentro da sua estrutura de planejamento. O seu PIB vai refletir isso, e poderemos saber o quão importante é a natureza para a economia. Nós usamos a natureza porque ela é valiosa, e nós a perdemos porque ela é gratuita. Esse é o problema. Como se pode começar um bom planejamento se você não sabe o que o seu maior ativo de desenvolvimento representa em termos de renda? E o seu maior ativo é realmente a natureza.

Em quais temas ambientais o Brasil deveria focar?

Agricultura, farmacêuticos, água, florestas, turismo, até mesmo minérios, que também são capital natural. O Brasil está diminuindo o desmatamento e deveria ser recompensado em uma escala global. As florestas na Amazônia, no Congo e na Indonésia são verdadeiras fábricas de chuvas. Sem essa água não há agricultura e não há alimento. Então é fundamental que o Brasil insista em algum suporte financeiro para gerenciar essa "fábrica". É um serviço público que o Brasil presta para todos. Por que não ser recompensado por isso?

Qual é o papel dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) na discussão do desenvolvimento sustentável?

É crítico. A forma como eles desenvolvem suas economias determinará completamente o futuro dos recursos e do consumo. Por isso, eles têm uma enorme responsabilidade em desenvolver as estratégias certas, que possam ser implementadas nos demais países em desenvolvimento. Ao mesmo tempo, eles devem também dizer aos países desenvolvidos para pararem. Mesmo se o mundo em desenvolvimento fizer tudo certo, ainda assim teremos uma catástrofe global, porque os países desenvolvidos estão consumindo muito. Não podemos mais seguir esse modelo. Essa discussão nunca aconteceu.

Que lições o Brasil poderia aprender com a Índia em termos de resposta governamental aos desafios ambientais de hoje? Aprendam o poder da democracia e da liberdade de expressão. Eu vejo políticos indianos, como Jairam Ramesh (ministro do Desenvolvimento Rural), dizendo abertamente o que pensam, mas eu não vejo isso com muita frequência nos políticos brasileiros. Acho que eles estão muito preocupados com a reação do mercado ou das pessoas. Não temam. Eu sou da terra de Ghandi, eu não tenho medos.

O que o senhor espera da Rio+20, objetivamente?

No nível governamental, seria bom que os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) fossem criados e fossem diferentes para os países desenvolvidos e os em desenvolvimento: reduzir a pegada ecológica nos primeiros e promover um desenvolvimento verde nos segundos, ou seja, continuar o desenvolvimento, melhorar o bem-estar, sem aumentar a pegada ecológica, que é o quanto de terra e o quanto de área costeira são usadas durante a vida de uma pessoa. São estratégias diferentes. No nível do setor privado, as corporações são um grande problema, pois geram lucros numa economia marrom. As corporações de amanhã devem ser mais criativas.

Qual é a importância de se atribuir metas numéricas para os ODSs que estão sendo discutidos no documento da Rio+20?

O que você não dimensiona, não consegue gerenciar. E se quiser gerenciar o desenvolvimento sustentável, tem de dimensioná-lo, como fazemos com o Índice de Gini, usado para medir a desigualdade social.

Eficiência de recursos, eficiência energética, equidade social são todas dimensionáveis.

Por que o conceito de economia verde é tão abstrato e ainda não alcançou um consenso?

A economia verde engloba quatro temas: bem-estar, equidade social, riscos ambientais e escassez ecológica. Não é o mesmo que crescimento verde. Em um país desenvolvido, você pode ter uma economia verde sem crescimento. Mas num mundo em desenvolvimento, você precisa de crescimento do PIB, porque você ainda está atendendo a necessidades humanas básicas, mas de forma sustentável, de modo que sua pegada ecológica não seja superior a dois hectares. Nos Estados Unidos, o tamanho dessa pegada é de 10 hectares. Eles consumem cinco vezes mais do que deveriam.

-------------------------------------------------------------------------------- adicionada no sistema em: 09/06/2012