Título: Súmula, um instrumento de segurança jurídica
Autor: Figueiredo, Fernando
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/06/2012, Economia, p. B2

Depois da mobilização de empresários, trabalhadores, governo e oposição para acabar com a chamada guerra dos portos - mecanismo criado por alguns Estados para conceder incentivos fiscais a produtos importados que resultou no fechamento de inúmeras fábricas e transferência de empregos para o exterior -, ninguém esperava que outro tema conseguisse mobilizar o mundo empresarial, político e jurídico em tão pouco tempo.

Porém, a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de publicar uma súmula vinculante sobre a concessão de incentivos fiscais de ICMS para projetos de desenvolvimento industrial conseguiu se transformar, na velocidade da internet, no novo "hit" do outono brasileiro. Originalmente criado como uma zona de comércio destinada à exportação e ao mercado local, o Estado do Amazonas foi responsável por uma surpresa de primeira grandeza: manifestou-se favorável à aprovação da súmula. Tradicional dreno de incentivos federais e o caso mais clássico de desvirtuamento do sistema de estímulos fiscais no Brasil, a Zona Franca de Manaus logo se transformou em base para vendas no mercado nacional à base de eternos subsídios garantidos pelos governos federal e estadual.

Muitos Estados concederam incentivos fiscais, com base em tributos estaduais, para atrair empresas a instalarem sua base produtiva em seus territórios e comercializarem seus produtos em outros Estados, procedimento que foi adotado sem a prévia concordância do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), decisão que, por razões que nem Freud explica, precisa ser unânime.

São Paulo sempre se sentiu prejudicado por esses incentivos, contestou muitos deles judicialmente e ainda autuou, sem razão e sem sentido, empresas que investiram recursos para construir suas fábricas e usufruir de um direito assegurado pelos Estados de origem. Até aí, nada mais que um grande imbróglio jurídico que afetava algumas operações específicas e algumas determinadas empresas.

Porém, após decidir que a lei do Estado do Pará era inconstitucional, o STF decidiu emitir uma súmula vinculante, impondo às instâncias inferiores a obrigação de julgar, no mesmo sentido, qualquer outro processo. Os efeitos econômicos dessa decisão são desastrosos: empresas que realizaram seus investimentos produtivos, de boa-fé, considerando os estímulos fiscais como ponto de apoio para a rentabilidade de seu negócio, podem ser, agora, obrigadas não só a suspender o aproveitamento dos incentivos, como, muito pior ainda, devolver os recursos que receberam e aplicaram em seus negócios. Alguns Estados concedem esses subsídios há mais de 30 anos.

A guerra dos portos mostrou que o desvirtuamento de uma política de incentivos fiscais pode ser gravemente pernicioso para a economia de um país. Mas o Estado de Santa Catarina - o grande vilão da guerra dos portos - demonstra também, de forma exemplar, a importância de uma ação estruturada e inteligente para fomentar investimentos produtivos, inovação e qualificação da mão de obra com a utilização de incentivos tributários para promover o desenvolvimento econômico e social de uma região, como expõe na tribuna do Senado, com muitas razões e sólidos argumentos, o senador Luiz Henrique, ex-governador do Estado.

Nos EUA, a decisão da Shell de instalar um novo cracker, à base de shale gas, envolveu na disputa pela localização do projeto governadores de vários Estados. Recente estudo do American Chemistry Council mostrou que a Pensilvânia, o Estado vencedor, obterá ganhos estimados em US$ 8 bilhões, além da geração de mais de 17 mil empregos de alta qualificação e bem remunerados. Um exemplo a ser seguido pelo Brasil para a exploração, em benefício da sociedade brasileira, do gás do pré-sal.

Não há, pois, nenhuma dúvida sobre a importância e a conveniência de os Estados utilizarem esses instrumentos em projetos que beneficiem sua população. É certo que a legislação sobre o assunto merece ser revista e modernizada, mas não por meio da ação do Judiciário, pela edição de uma súmula vinculante, mas, sim, por meio de um projeto de lei submetido ao debate público dos representantes eleitos pelo povo.

O STF dará significativa contribuição ao aperfeiçoamento de nossas instituições democráticas e ao fortalecimento da segurança jurídica se cancelar a emissão dessa súmula e deixar ao Legislativo a disciplina do assunto.

O colunista Celso Ming está em férias.