Título: Acordo da UE será posto à prova hoje Popularidade de Angela Merkel sobe na Alemanha
Autor: Netto, Andrei
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/07/2012, Economia, p. B10

Algumas dúvidas levantadas no fim de semana podem acabar com euforia que levou bolsas a fecharem com forte alta na sexta-feira

Passada a euforia com os resultados da cúpula da União Europeia, na sexta-feira, governos de todo o bloco aguardam a reabertura dos mercados financeiros hoje para avaliar o real impacto das medidas.

Se a primeira impressão foi de que Bruxelas está mais preparada para enfrentar a crise com o aumento das atribuições do Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE) e do Banco Central Europeu (BCE), restam dúvidas se a Alemanha estaria de fato disposta a permitir a implementação do acordo, depois de ser considerada derrotada por França, Itália e Espanha.

A incerteza sobre o acordo cresceu no fim de semana, quando analistas econômicos se deram conta de que o texto final da cúpula não faz menção a questões consideradas cruciais pelos investidores. A primeira diz respeito à renegociação do plano de € 130 bilhões de resgate à Grécia, pedido feito pelo primeiro-ministro Antonis Samaras e ignorado solenemente por Bruxelas.

Atenas não ganhou os dois anos a mais para reorganizar as contas públicas, cujo limite é 2014. Assim, a economia local continuará sob austeridade estrita, quando o governo tem problemas de caixa e o desemprego está em 22% da população ativa.

O segundo foco de dúvidas é que o Pacto de Crescimento e Emprego, defendido pela França e aprovado sexta-feira, não traz dinheiro novo para a economia europeia. Dos € 130 bilhões, apenas € 15 bilhões virão de novas fontes. Os demais € 115 bilhões já existiam e estavam bloqueados no cofres do Banco Europeu de Investimentos (BEI) e dos fundos estruturais do bloco.

O problema é que nada garante que os recursos serão de fato desbloqueados para investimentos. E no documento final da cúpula não há nenhum detalhe sobre quais serão os países beneficiados pelas novas obras de infraestrutura nem qual será o benefício real para o Produto Interno Bruto (PIB) da zona do euro.

Para a revista Der Spiegel, as medidas podem não gerar nenhum impacto sobre o crescimento na Europa. "O Pacto de Crescimento foi feito com pouco mais do que promessas vazias e sonhos que não se tornarão realidade nunca", disse a revista, que cita fontes do governo alemão. "Não vão gerar nenhum crescimento na Europa, mas pelo menos não custarão mais dinheiro à Alemanha."

Além disso, as duas principais medidas aprovadas na prática dependem da autorização da Alemanha para serem implementadas. Assim, o MEE só poderá adquirir títulos da dívida soberana de países que tiverem passado por reformas estruturais. Mas quem define esse critério não está especificado. Da mesma forma, a recapitalização dos bancos só será autorizada caso o Banco Central Europeu (BCE), que ampliará suas atribuições como supervisor do sistema financeiro, dê seu aval. Mas a instituição, com sede em Frankfurt, sofre a pressão constante de Berlim para não adotar medidas heterodoxas de apoio à economia.

Por fim, a cúpula sepultou o projeto de mutualização das dívidas nacionais por meio da emissão de obrigações europeias, os eurobônus. Ontem, o ministro de Economia da França, Pierre Moscovici, admitiu ao jornal Le Figaro que o projeto foi adiado por tempo indeterminado por exigência da Alemanha. "Nós compreendemos que, neste momento, tratava-se de uma linha que nossos amigos alemães não podiam ultrapassar."

Philipe Martin, docente do Departamento de Economia do Instituto de Estudos Políticos de Paris, entende que o risco é de que os investidores mudem a avaliação sobre o sucesso da cúpula a partir desta segunda-feira.

O acordo firmado na última cúpula da União Europeia provocou uma onda de avaliações negativas sobre a chanceler Angela Merkel na Alemanha, acusada de perder a batalha das negociações contra a França, Itália e Espanha. Dois dias depois, porém, a chefe de governo parece viver uma lua de mel com a opinião pública, com alta popularidade e elogios renovados na imprensa. Para a revista 'Der Spiegel', ela teve uma "vitória tática" na disputa contra os países do sul. O prestígio de Merkel vinha em baixa desde 2011, o que apontava para o crescimento da oposição social-democrata nas eleições de 2013.

Mas, com a crise do euro, a sorte da chanceler se inverteu. Na quarta-feira, antes da cúpula de Bruxelas, ela alcançou a mais elevada taxa de popularidade de seu governo, com 64% de opiniões positivas, segundo a 'Der Spiegel'. Nada menos que 85% dos alemães consideram que o país é "bem representando" no exterior e 61% acham que Merkel enfrenta a turbulência "de forma correta e determinada".

O acordo de sexta-feira, que a primeira vista teria beneficiado Itália e Espanha e resultado numa vitória do presidente da França, François Hollande, e dos premiês italiano Mario Monti e espanhol Mariano Rajoy, poderia ter prejudicado a imagem. "Mas Merkel não foi a derrotada. Ela só fez o que sempre vem fazendo nos bastidores da União Europeia: compromissos. E alguns muito espertos", disse a revista. / A.N.