Título: O principal incentivo para 2012 é rezar
Autor: Neder, Vinicius
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/07/2012, Economia, p. B3

Como as exportações são concentradas em matérias-primas, País é mais vulnerável à crise global, diz especialista

Classificando de previsível o resultado ruim da balança comercial divulgado ontem, o vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, não vê possibilidade de melhora até o fim do ano. Com cerca de 70% da pauta de exportações concentrada em matérias-primas, "o principal incentivo é rezar".

Neste mês, a AEB prepara a revisão de sua estimativa para o saldo comercial de 2012. Até agora, a projeção é de um magro superávit de US$ 3 bilhões. Com base no resultado das exportações no primeiro semestre, dificilmente a revisão trará um valor muito acima desse patamar.

Se a economia acelerar somente com base no mercado interno ou a situação piorar na China, contra as previsões da maioria dos analistas, o País pode, até mesmo, registrar déficit comercial, o que não ocorre desde 2000, quando o câmbio encerrou o ano em R$ 1,95.

Como analisar o resultado da balança comercial?

É previsível. Em dezembro do ano passado, prevíamos queda em torno de 7% nas exportações neste ano. Cerca de 70% das exportações brasileiras são de commodities, produtos sobre os quais não temos nenhum controle. Com a crise internacional, as cotações das commodities caem. Até agora, a China não teve nenhum impacto na queda das exportações brasileiras. A queda está sendo decorrente da Europa. O problema é que, se acontecer qualquer imprevisto com a China, o superávit pode virar déficit, porque aí teríamos queda de preços aliada à queda de quantidade exportada.

A desvalorização do real frente ao dólar não ajuda?

O câmbio tem reflexo nos produtos manufaturados, só que os reflexos positivos são anulados por dois aspectos. Em primeiro lugar, com as medidas protecionistas, as exportações de manufaturados para a Argentina, que é o principal mercado, estão caindo. Em segundo, como o mercado mundial está em retração, o preço (em reais das exportações) melhorou, mas não tem comprador. Para o Brasil, em 2012, no comércio exterior, o principal incentivo é rezar.

O câmbio a R$ 2 é insuficiente?

O ideal seria R$ 2,25. E, neste momento, ninguém em sã consciência vai considerar para a exportação R$ 2 por dólar. A tendência é considerar R$ 1,90 ou R$ 1,85. Com a volatilidade, não se pode considerar a taxa mais alta. Claro que para alguns setores o nível do câmbio torna a exportação mais palatável. Gera algum alívio. Mas quando ocorre uma elevação da taxa muito forte, como nos últimos meses, o importador sabe disso e acaba querendo dividir os ganhos.

O problema com a Argentina é conjuntural?

A Argentina consome 22% de todos os produtos manufaturados que o Brasil exporta. Com a redução das exportações de manufaturados, aumenta a nossa dependência de commodities. Neste momento, (o problema) é conjuntural, mas com tendência de ser de médio prazo. A Argentina, com o calote, fechou as portas no mercado financeiro internacional e procura gerar superávit comercial.

A saída é ampliar as importações da Argentina?

Se o Brasil conseguisse ampliar as importações, por exemplo, de petróleo e de trigo, reduziria o superávit comercial e teoricamente abriria espaço para exportar mais. Se perdermos o mercado argentino, a China está de prontidão.

O crescimento das importações assusta?

É uma preocupação. Se houver uma aceleração da atividade econômica no mercado interno e ela estimular as importações, pode haver reflexo negativo sobre a balança comercial. Hoje, muitas coisas são importadas, pois ainda que se tenha capacidade de produção, o custo do Brasil é alto e vale à pena importar. Se mantiver o ritmo (de crescimento das importações), corre-se até o risco de o Brasil ter déficit comercial.

A relação comercial com os EUA preocupa?

O Brasil sempre teve superávit comercial com os Estados Unidos. Nós últimos três anos, os Estados Unidos passaram a ter um superávit muito grande. Só que os EUA passaram a importar mais petróleo do Brasil em vez de terceiros mercados. Com isso, está reduzindo o superávit. Só o petróleo representa 25% (das exportações para os EUA).