Título: Reação do governo evitou a recessão
Autor: Landim, Raquel
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/07/2012, Economia, p. B4

Ele diz que é preciso olhar o lado positivo: "economia brasileira, mesmo num cenário extremamente adverso, vai crescer"

Principal formulador do Plano Brasil Maior, a política industrial do governo, o presidente da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), Mauro Borges Lemos, avalia que o País "provavelmente estaria à beira da recessão", não fossem os pacotes de estímulo ao consumo. Ele aposta em crescimento "pequeno" da indústria neste ano, apesar da queda da produção industrial nos primeiros seis meses de 2012.

Amigo de longa data de Dilma e do ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, a quem é subordinado, o economista afirma que "o governo está fazendo tudo o que pode para manter a economia crescendo". A seguir, os principais trechos da entrevista que concedeu ao Estado:

Por que a indústria está patinando?

Porque estamos no meio de uma crise internacional de grandes proporções. A forma mais visível de mensurar isso é a grande agressividade das importações. Há excedente de bens manufaturados no mundo e a estratégia, em geral, é desová-los em mercados que ainda estão em crescimento.

O dólar a R$ 2 demorou?

O dólar a R$ 2 é insuficiente para impedir a desova.

O endividamento das famílias e a cautela dos bancos em emprestar limitam o impacto das medidas de estímulo ao consumo anunciadas pelo governo?

O maior economista do século 20, o John Maynard Keynes, denominou a economia capitalista de uma economia monetária, regida por relações mediadas pelo dinheiro, pela moeda. Hoje, no Brasil, como somos uma economia monetária em pleno funcionamento, é absolutamente normal que, frente a um quadro totalmente adverso, você aumente o que Keynes chamava de preferência pela liquidez. Nestes momentos, você tem contração do consumo das famílias e dos empresários, que é o investimento. Eles tendem a reagir com uma contração relativa perante grande incerteza.

Medo de a crise piorar?

Claro que há uma aversão à incerteza. Não é aversão ao risco, é mais do que isso. É uma aversão a um cenário econômico futuro que não conhecemos. Obviamente o governo está tentando, com todos os instrumentos à sua disposição, mitigar isso e eventualmente retomar o crescimento no segundo semestre. O governo está fazendo tudo o que pode para manter a economia crescendo, que é a questão fundamental.

A presidente Dilma apelou ao espírito animal dos empresários, mas o investimento não deslanchou. Por que não deu certo?

Primeiro, eu diria que está dando certo. Vamos ter um crescimento positivo neste ano. Se pegar o analista mais pessimista, ele não projeta recessão. A economia brasileira, mesmo num cenário extremamente adverso, vai crescer. Que seja 2%, 2,5% ou 3%, não interessa.

O governo deixou de arrecadar R$ 100 bilhões da indústria, mas a tributação continua alta. O que falta para a indústria reagir?

O problema central não é, em si, da desoneração tributária, mas fatores estruturais e heranças regulatórias e tributárias, que fazem com que capital e trabalho e os insumos básicos da economia estejam relativamente caros. A questão é como caminhar na agenda de redução destes fatores e insumos. Quando você inicia uma trajetória de política econômica com redução da taxa real de juros, está reduzindo o custo do crédito, do dinheiro. Quando desonera a folha de pagamentos de setores intensivos de trabalho está reduzindo custos que, por razões históricas, têm uma tributação muito grande. A grande estratégia do governo é um programa de redução desses custos no longo prazo. Há um conjunto de medidas que vão além de pura desoneração para aumentar o consumo, como vem sendo propalado.

Por exemplo?

Os regimes especiais de tributação. O esforço pela redução do custo da energia. Essa é uma agenda que tem impacto nos custos da indústria muito grande. Se desonerar o custo da energia, ou reduzi-lo através de mecanismos regulatórios, está aumentando a competitividade da indústria. Ao contrário da chamada agenda do puxadinho, é uma agenda de longo prazo.

A produção industrial cai há nove meses, cadê os resultados? Vamos fazer um raciocínio contra-factual: se o governo não estivesse tomando nenhuma medida, como estaria a economia brasileira hoje? Possivelmente, já estaria à beira da recessão. A reação do governo está contribuindo decisivamente para não entrarmos em recessão

Economistas defendem reformas estruturais. O País consegue superar a crise sem isso?

O Brasil vai continuar fazendo reformas e já fez muitas. Não vamos parar o País, fazer reformas durante um determinado número de anos e depois voltar a funcionar. Nessas reformas, você troca o pneu furado com a bicicleta andando. Estamos num processo permanente. Por exemplo: criar um sistema privado de financiamento do longo prazo, do investimento, é um grande desafio hoje. Temos condições de implementar essa reforma e isso está no radar do Banco Central e da Fazenda. Outro exemplo é a mudança do sistema previdenciário público, que está em plena implantação e é um dos projetos mais importantes da Presidência da República.

A indústria encerra o ano com crescimento? De quanto?

Estamos torcendo fortemente para um crescimento. Vai ser um número positivo, mas pequeno.