Título: Como o declínio dos bancos ocidentais afeta todos nós
Autor: El-Erian, Mohamed A.
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/07/2012, Economia, p. B10

O universo dos bancos, dominado até agora em todo o mundo por instituições europeias e americanas, passa por grandes mudanças. Basta observar as recentes manchetes sobre as medidas regulatórias, os prejuízos das transações e a destituição de altos executivos. Na realidade, o papel, a reputação e a posição do setor estão sendo submetidos neste momento a uma tremenda pressão e vigilância. E as consequências disso, boas ou más, estendem-se ao mundo todo, inclusive ao Brasil.

Depois de uma era dourada favorecida pela falta de regulamentação, pelo endividamento e pelo direito de crédito, os bancos ocidentais ingressaram num período, que poderá durar por muitos anos, em que tiveram de abandonar o risco, o endividamento e adotar restrições operacionais. Determinado pela pressão dos políticos e dos mercados, o objetivo imediato é controlar comportamentos imprudentes e reduzir o risco sistêmico. No longo prazo, a meta é o reposicionamento do setor como um financiador mais responsável da economia real, e como guardião mais confiável de fundos que se beneficiam das garantias de depósito financiadas pelos contribuintes.

Depois de lucrar consideravelmente durante o boom e posteriormente socializar muitos dos seus prejuízos na crise, os bancos estão agora na mira das autoridades reguladoras e dos investidores - uma consequência bastante previsível.

Em primeiro lugar, existe a convicção de que muitos bancos da Europa e dos Estados Unidos contribuíram consideravelmente para a crise financeira global de 2008 que derrubou a economia mundial, e ainda hoje continua fazendo estragos; em segundo lugar, puderam continuar suas operações graças às linhas de salvamento de emergência oferecidas pelo governo; e tudo isso para voltar aos velhos hábitos inaceitáveis. No meio tempo, surgiram provas de que algumas instituições se comportaram não apenas de maneira insensata, mas, em alguns casos, até mesmo antiética e ilegal.

O resultado disso é um ataque prolongado e multifacetado aos bancos ocidentais. Os Parlamentos da Europa e o Congresso dos EUA tentam restringir as atividades que os bancos podem exercer como negócios normais. As autoridades reguladoras intensificaram sua supervisão e a aplicação da lei e estão menos interessadas em conceder aos bancos o benefício da dúvida.

A imprensa também está fazendo um trabalho bem melhor em termos de levar os bancos a se responsabilizarem por suas ações. E os investidores passaram a exigir compensações maiores a fim de colocar capital nos bancos e financiar as dívidas.

Os políticos também resolveram participar ao reconhecerem a enorme revolta, ira e repúdio dos eleitores, bem como a perda total da confiança. E fazem isso de uma maneira completamente aberta e pública.

Esta semana, e apenas um dia depois de sua renúncia, o ex-presidente executivo do Barclays Bob Diamond teve de responder a um agressivo interrogatório dos parlamentares em um inquérito apressadamente arranjado, exibido pela televisão em Londres. Poucas semanas antes, do outro lado do Atlântico, o diretor do JPMorgan, Jamie Dimon, foi convocado para uma audiência no Congresso dos Estados Unidos que fez manchete em todos os noticiários nacionais naquela noite. Por sua vez, os bancos se tornarão mais avessos ao risco. Eles temem que qualquer escorregão, por menor que seja, se torne o catalisador de protestos ainda mais públicos, e de interferência política. Além disso, pressionados pelos investidores, deverão abandonar as atividades que não considerarem básicas ao negócio.

Tudo isso deve provavelmente se desenrolar nos próximos meses e anos. O resultado final será um sistema bancário menor, muito limitado em termos do trio formado pelas atividades permitidas, pela tomada de riscos e pela alavancagem.

Para as pessoas comuns, a "atividade bancária utilitária" vai voltar, substituindo a "atividade bancária de cassino". E é provável que esse processo vá longe demais, demasiadamente impulsionado por considerações táticas e políticas, e não por motivações estratégicas e econômicas. Além disso, essa será inevitavelmente uma jornada turbulenta.

Independentemente de como encaramos a situação, a sociedade ocidental vai na verdade optar por um equilíbrio diferente entre solidez e eficiência. Depois de sofrer as terríveis consequências de uma alavancagem que fugiu ao controle, os cidadãos vão pressionar seus políticos e reguladores de maneira a garantir que o comportamento inaceitável dos banqueiros seja reduzido ao mínimo, bem como reduzir o risco sistêmico - mesmo que isso tenha como custo o sacrifício de alguns dos potenciais benefícios da intermediação financeira sofisticada.

Levando-se em consideração o grau de interconectividade dos bancos em relação à economia global e uns aos outros, seja dentro de fronteiras nacionais ou ultrapassando-as, o impacto é grande. Um menor número de atividades será financiado, incluindo os investimentos produtivos feitos por empresas pequenas e médias. A liquidez do mercado será limitada. E o crédito dos fornecedores e comerciantes será mais difícil de ser obtido.

É provável que os bancos ocidentais se tornem mais nacionais e menos globais. E isso não envolve apenas sua disposição em oferecer empréstimos além de suas fronteiras. Sua participação nas instituições com sede em outros países, incluindo as economias emergentes, vai decair.

Para o Brasil, tudo isso será traduzido numa maior necessidade de confiar no sistema financeiro doméstico, afastando-se dos bancos internacionais. Concorrentemente, será esperado do sistema doméstico que desempenhe um papel mais expressivo na facilitação da produção, do investimento e do comércio.

O restante de nós sofrerá impactos diferenciados. As famílias mais ricas, bem como as empresas maiores e mais fortes (em termos de rentabilidade e balanço patrimonial), pouco serão afetadas na sua capacidade de recorrer diretamente aos credores e investidores, mantendo um acesso sólido ao mercado de capitais local e internacional. O mesmo não pode ser dito das famílias menos prósperas e das empresas menores e mais frágeis. Estas enfrentarão o risco de um racionamento no crédito. No meio tempo, as famílias terão de se apoiar ainda mais na própria poupança - e as empresas dependerão de lucros retidos para financiar novas contratações e investimentos adicionais em suas instalações e equipamentos.

Há também oportunidades notáveis. Os mais ágeis empreendedores e empresas do Brasil - que são muitos - terão uma oportunidade de ouro para ocupar os espaços deixados pelos bancos ocidentais. E isso não vale apenas para o mercado doméstico, mas também para os mercados regional e internacional. De fato, os brasileiros podem e devem aspirar a um papel de maior importância na intermediação regional das finanças. Se isso for bem administrado, os ganhos privados e sociais obtidos com essa atividade podem ser substanciais.

Ninguém deve duvidar que a atividade bancária internacional se encontra nos estágios iniciais de uma nova era. Os bancos ocidentais estão diante de um período de vários anos de encolhimento e declínio. Enquanto isso, se souberem se defender bem, instituições financeiras bem administradas de países emergentes como o Brasil terão uma oportunidade para abrir as asas. Quanto antes isso for bem compreendido e analisado, maior será o espectro de possibilidades para limitar os riscos e aproveitar as oportunidades.