Título: Ex-presidente da Valec soube antes de operação
Autor: Fabrini, Fábio
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/07/2012, Nacional, p. A9

Agentes da PF interceptaram mensagem na qual advogado avisava filho de Juquinha sobre apuração da Trem Pagador, que resultou em sua prisão

O ex-presidente da Valec José Francisco das Neves, o Juquinha, e seus familiares, souberam das investigações da Polícia Federal meses antes de ser deflagrada, na quinta-feira, a Operação Trem Pagador, que resultou na prisão do ex-servidor e de mais três pessoas por suspeita de corrupção, lavagem de dinheiro, ocultação e dissimulação de bens.

Os investigadores interceptaram em setembro uma mensagem de celular, na qual o advogado Aurelino Ivo Dias, de Goiás, avisava um dos filhos de Juquinha, Jader Ferreira das Neves, também preso, das apurações. O torpedo foi enviado um mês após o início das investigações. A partir daí, os acusados trocaram os telefones e ficaram mais cautelosos nas conversas para dificultar o trabalho dos policiais.

A Polícia Federal deve abrir um inquérito específico para apurar como o advogado teve acesso aos dados. Segundo as investigações, ele não tinha relacionamento com Juquinha, que é presidente do PR em Goiás. Após o episódio, no entanto, passou a advogar para o partido. Na quinta-feira, Aurelino foi conduzido à Superintendência da PF em Goiás para prestar esclarecimentos. "Estamos levantando o nível de informações que ele passou. O fato é que ele tinha informações da existência das interceptações e passou isso para o Jader", diz um dos investigadores.

Autorizações. As autorizações para a Operação Trem Pagador foram dadas pela 11.ª Vara da Justiça Federal em Goiânia, a mesma que conduz o processo na Monte Carlo. O juiz Alderico Rocha Santos assumiu o caso no mês passado, após seu antecessor, Paulo Moreira Lima, pedir afastamento em meio a uma crise com o titular da vara, Leão Aparecido Alves. Leão teria se queixado de que um telefone usado por seus familiares estava sendo monitorado. Ele se declarou suspeito para conduzir o processo. A Corregedoria do Tribunal Regional Federal da 1.º Região apura o vazamento de informações.

As investigações da Trem Pagador começaram quando a Procuradoria da República em Goiás fazia levantamento para pedir à Justiça a indisponibilidade de bens de Juquinha, investigado por inflar preços da obra da Ferrovia Norte-Sul quando presidente da Valec, beneficiando empreiteiras. O trabalho mostrou que um vasto patrimônio, avaliado em R$ 60 milhões, foi posto em nome do ex-dirigente, parentes e laranjas. Além de Jader, foram presos a mulher do ex-servidor, Marivone Ferreira das Neves, e um sócio, Marcelo Araújo Cascão, que foi solto ontem. Outros dois filhos dele estão envolvidos, sustenta a PF. A PF apura se as empresas contratadas pela Valec pagaram propina a Juquinha. Procurado, pelo Estado, o advogado Aurelino não retornou as ligações. Sarney deu aval para Juquinha assumir estatal / BRASÍLIA

As fraudes na obra da Ferrovia Norte-Sul começaram a ser desvendadas na Operação Faktor, da Polícia Federal, que apontou direcionamento de licitações e favorecimento de empresas ligadas à família do senador José Sarney (PMDB-AP).

Indicado à presidência da Valec em 2003 pelo PR - partido do deputado federal Valdemar Costa Neto (SP), seu padrinho político -, José Francisco das Neves, o Juquinha, precisou do aval do senador para assumir o cargo na estatal.

O inquérito mostrou que a construtora Constran, contratada para executar um dos trechos do empreendimento, entre as cidades de Santa Isabel e Uruaçu, em Goiás, fez acordo ilegal para que duas empreiteiras participassem da obra.

Beneficiária. Uma das beneficiárias da subcontratação era a Lupama, que estava em nome de dois amigos do empresário Fernando Sarney, filho do senador. De acordo com a PF, a empresa era de fachada e não tinha capital social para executar os serviços.

O inquérito colheu indícios de que as empreiteiras pagaram propina para participar do que a PF chamou de "consórcio paralelo", uma estratégia para burlar a concorrência pública e repartir o contrato.

Segundo a PF, o sobrepreço no segmento da obra entre Santa Isabel e Uruaçu alcançou R$ 46 milhões. As fraudes teriam se repetido nos outros lotes do empreendimento.

Censura. A Operação Faktor, com a qual a PF apurava os favorecimentos a empresas ligadas ao presidente do Senado, José Sarney, tinha em seu início o nome Boi Barrica. Nela, aos poucos, a PF identificou manobras de empresários ligados a Fernando Sarney, filho do presidente do Senado. Foi para impedir a divulgação dessas ligações pelo Estado que Fernando Sarney pediu à Justiça, em 31 de julho de 2009, que proibisse o jornal de revelar o que a PF descobria.

O juiz Dácio Vieira, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, acatou o pedido do empresário, submetendo o Estado à censura judicial. Tempos depois, Dácio Vieira foi afastado do caso e Fernando Sarney anunciou a desistência do processo. O jornal aguarda uma posição do Supremo Tribunal Federal quanto ao mérito, para que se crie uma jurisprudência sobre o direito à informação no País. / F.F.