Título: Mercosul se tomou fonte de incertezas
Autor: Loyola, Gustavo
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/07/2012, Economia, p. B2

O vexatório episódio da admissão da Venezuela no Mercosul é apenas mais um dos sintomas do quadro de decadência acelerada do experimento de integração sul-americana Por culpa principalmente da Argentina, mas também do Brasil, o que deveria ser uma união aduaneira tornou-se um ente amorfo, cada vez menos relevante para o desenvolvimento dos seus países-membros. Ao contrário, do modo em que está, o Mercosul passou a ser um ônus e fonte permanente de incertezas para os empresários e investidores da região.

Desde o começo, a Argentina tem desempenhado um papel perturbador no bloco. Porém, no período recente da administração de Cristina Kirchner, sua política econômica esquizofrênica e errática vem abalando todos os princípios que deveriam nortear uma união aduaneira. Os argentinos impõem a seu bel-prazer restrições comerciais - tarifárias e não tarifárias - que diretamente afetam os membros do Mercosul, além de desrespeitarem seguidamente o princípio da tarifa externa comum que deveria ser regra no bloco.

Parece cada vez mais óbvio que o sucesso de qualquer experiência de integração econômica mais profunda - como é o caso do Mercosul - requer necessariamente que os países-membros pratiquem políticas macroeconômicas responsáveis e tenham instituições político-jurídicas que deem o mínimo de segurança às relações econômicas. Ou seja, é preciso um mínimo de desenvolvimento institucional comum aos países que participam da experiência de integração. Vale dizer que o problema não é tanto de os países do bloco acordarem entre si procedimentos de exceção para lidar com crises específicas nas economias da região, assim como tampouco é problema a existência de mecanismos de convergência que temporariamente não se ajustem ao figurino modelo de um mercado comum. O que vem ferindo de morte o Mercosul são iniciativas protecionistas unilaterais, notadamente da Argentina, que perturbam os negócios entre os países do bloco, afetando principalmente os interesses brasileiros. Lastimavelmente, o governo argentino, com seu viés autoritário e intervencionista, vem enfraquecendo as instituições do país vizinho, com repercussões negativas no Mercosul.

Porém a crise do bloco não deve ser integralmente debitada na conta da Argentina. O Brasil também tem suas responsabilidades. Embora se reconheça a existência de assimetrias relevantes entre as economias brasileira e argentina, o comportamento do nosso governo historicamente tem sido o de excessiva tolerância às infrações unilaterais argentinas aos princípios e normas do Mercosul. Com isso, foram reforçados os incentivos para a continuidade de tal tipo de postura, o que ao longo do tempo acabou por levar o bloco a se distanciar ainda mais de seus objetivos iniciais de integração e de coordenação econômica.

Além disso, recentemente, o governo Dilma embarcou de vez numa agenda protecionista que acaba por justificar os piores excessos cometidos por Buenos Aires, sob o pretexto de proteger a indústria instalada no Brasil. Ocorre que as debilidades da indústria brasileira jamais serão resolvidas com o aumento da proteção à produção doméstica. Ao contrário, tal agenda acaba por afetar de forma negativa os investimentos e a competitividade, principalmente por aumentar as incertezas sobre o futuro, tendo em vista o caráter "ad hoc" e transitório das práticas protecionistas políticas. Quanto ao Mercosul, o protecionismo por parte da mais importante economia da região tenderá a se propagar de forma amplificada para os demais países-membros, corroendo ainda mais os mecanismos de integração. Adicionalmente, com tais políticas, torna-se difícil, se não impossível, o fechamento de acordos comerciais com outros blocos, como a Comunidade Europeia.

As desavenças recorrentes entre os países do Mercosul, notadamente as de cunho comercial entre Brasil e Argentina, aconselhariam que seus governos estivessem mais preocupados com a consolidação do bloco, principalmente pelo fortalecimento de suas instituições, do que com o ingresso de novos países, por mais relevantes que sejam. No caso do ingresso venezuelano, sua inoportunidade é ainda mais gritante, considerando as péssimas instituições existentes naquele país, cujo regime político não pode ser considerado como democrático e cuja economia não pode ser considerada como de mercado. Muita ginástica mental é necessária para identificar algum mínimo benefício que a Venezuela de Chávez possa trazer neste momento ao bloco. Ao contrário, com sua ideologia ultrapassada e autoritária, a Venezuela será mais um elemento de perturbação do funcionamento do bloco.

Corroído pelo protecionismo, pelas más políticas macroeconômicas da Argentina e pelo viés ideológico crescente demonstrado na admissão equivocada da Venezuela, o Mercosul enfrenta no momento a sua pior crise. Tomara que não estejamos vendo a sua agonia.