Título: Polícia despreparada
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/07/2012, Notas e informações, p. A3

A Polícia Militar, a quem está entregue a segurança pública do Estado de São Paulo, demonstrou inaceitável despreparo no episódio que resultou no assassinato do empresário Ricardo Prudente de Aquino.

Na noite da última quinta-feira, Aquino passou com seu carro por um comando da PM que abordava outro veículo. Segundo os policiais, o empresário estava em alta velocidade, o que gerou desconfiança e deflagrou uma perseguição. Já cercado, Aquino - sempre segundo a versão da PM - pegou um celular, que os policiais imaginaram ser uma arma, o que os levou a atirar. O empresário foi alvejado por cinco tiros a curta distância - dois na cabeça.

A versão da polícia é rechaçada praticamente na íntegra por amigos e parentes da vítima. Segundo eles, o tal celular que a PM diz que Aquino pegou estava sem bateria - logo, não teria serventia. Negam também que Aquino tenha desobedecido a uma ordem de parar o carro, dizendo que o veículo estava estacionado no meio-fio quando aconteceram os disparos. E, finalmente, ante a informação da polícia de que foram encontrados 50 gramas de maconha no carro, eles negam que Aquino fizesse uso de drogas.

Ademais, o erro de procedimento dos policiais foi atestado por oficiais da reserva. A capitão Tânia Pinc, por exemplo, disse que a abordagem deveria ter sido defensiva - os policiais tinham de estar a uma distância segura do carro, garantindo primeiro sua segurança pessoal, para agir racionalmente. Há cerca de 50 procedimentos-padrão para casos assim. "O principal desafio é conseguir convencer o policial, na hora de estresse, a seguir as regras", disse Pinc, revelando o despreparo dos soldados.

O desastre é tão evidente que um tenente integrante do batalhão dos autores do crime foi à casa da família de Aquino para pedir desculpas e dizer-se envergonhado. Os três PMs acusados de participação foram presos em flagrante por homicídio doloso. Um deles já estava sendo investigado em outros dois casos de "resistência seguida de morte".

No entanto, na ânsia de defender seus comandados e a imagem da corporação, o comandante-geral interino da PM, Hudson Camilli, insultou a inteligência dos paulistanos ao insistir na tese segundo a qual, "do ponto de vista técnico, a ação deles não pode ser criticada". O gesto de Aquino ao supostamente pegar o celular, disse o comandante, levou os policiais a reagir: "Uma defesa putativa, porque imaginavam que estavam sendo injustamente agredidos".

Mas Camilli admitiu, numa pérola retórica, que a ação "foi legalmente inadequada, já que não houve injusta agressão por parte da vítima". Traduzindo: o comandante admite que não é legítima defesa atirar em alguém que pegou um celular.

Já o advogado dos policiais, Fernando Capano, preferiu atribuir a atitude de seus clientes ao clima de tensão por conta da onda de assassinatos de PMs nos últimos meses. Ou seja: a polícia que se deixa matar por bandidos reage assassinando inocentes.

O caso mereceu imediata reação do governador Geraldo Alckmin. Ele exigiu "apuração rigorosíssima" do crime, disse que a ação é "injustificada" e prometeu "acelerar" a indenização do Estado à família de Aquino. No entanto, é o caso de perguntar se a prontidão do governador teria sido a mesma se o crime não tivesse ocorrido na Vila Madalena, mas em alguma periférica e mal iluminada esquina de São Paulo, e se Aquino não fosse um jovem empresário, mas uma das tantas vítimas anônimas da violência policial na capital.

Em São Paulo, de janeiro a maio, 1 em cada 5 homicídios teve participação da PM; já a polícia dos Estados Unidos, por exemplo, é responsável por apenas 1 em cada 35 homicídios. É como se houvesse pena de morte no Estado e a responsável por sua execução fosse não a Justiça, mas a Polícia Militar.

Esse impressionante índice de letalidade, fora dos padrões de sociedades saudáveis, exige que a indignação dos administradores públicos paulistas com o despreparo de policiais não seja seletiva ou episódica. Será o primeiro passo para restabelecer a confiança da população no aparato de segurança pública.