Título: Em clima tenso, STF rejeita dividir processo do mensalão
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Fonte: O Estado de São Paulo, 03/08/2012, Nacional, p. A4

Revisor do processo, Ricardo Lewandowski surpreende ao defender incompetência da Corte de julgar o caso e discute com relator Joaquim Barbosa;cronograma sofre atraso e procurador só fará sustentação oral hoje

O julgamento do mensalão começou em clima tenso entre os ministros do Supremo Tribunal Federal. Relator e revisor do processo discutiram sobre a competência da Corte para julgar os 38 réus acusados de participar de um esquema de compra de votos no Congresso Nacional durante o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A discussão começou após Marcio Thomaz Bastos levantar a questão. A longa discussão atrasou o cronograma original do Supremo. O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, fará sua sustentação oral apenas hoje. Os advogados de defesa dos réus começam a falar somente na semana que vem. Alguns advogados que participamdo julgamento acreditam que o atraso pode impedir que o ministro Cezar Peluso, considerado linha dura, dê suas sentenças sobre o caso. Isso porque ele vai se aposentar compulsoriamente em 3 de setembro, ao completar 70 anos. Em São Paulo, Lula foi homenageado em um evento realizado por empresários. Questionado se iria acompanhar o julgamento que deve encerrar um capítulo obscuro de seu governo, o ex-presidente afirmou: “Tenho mais coisa para fazer do que isso”. Em discurso, defendeu seu legado ao ressaltar suas realizações no Planalto.

Mariângela Gallucci Felipe Recondo /BRASÍLIA

O julgamento do mensalão começou tenso ontem no Supremo Tribunal Federal. Na primeira sessão que decidirá o futuro de 38 pessoas acusadas de integrar um esquema de compra de votos no Congresso durante o governo Luiz Inácio Lula da Silva, ministros discutiram entre si,explicitaram diferenças e atrasaram o cronograma original ao se alongarem na discussão sobre desmembrar ou não o processo em outras instâncias judiciais.No final, a proposta foi rejeitada. O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, responsável pela acusação, fará sua exposição oral só hoje.Os advogados de defesa vão falar agora na semana que vem.

A estimativa é de que o julgamento dure dois meses. Logo após a abertura dos trabalhos, o advogado Marcio Thomaz Bastos, responsável pela defesa de um ex-diretor do Banco Rural, questionou a competência do Supremo para cuidar do caso. Isso porque, entre os 38 réus apenas 3 têm foro privilegiado,ou seja,por serem deputados federais,têm de ser julgados no tribunal – João Paulo Cunha (PT-SP), Pedro Henry(PP-MT) e Valdemar Costa Neto(PR-SP).O restante teria deser julgado em instâncias inferiores, argumentou o advogado. A deliberação sobre o tema colocou o relator do mensalão, Joaquim Barbosa, em rota de colisão com o revisor do processo,Ricardo Lewandowski.

Houve, inclusive,bate-boca.Barbosa,que tende a votar pela condenação dos acusados, defendeu a competência do Supremo para julgar o caso. Mas Lewandowski discordou, mostrando que tende a divergir do colega em pontos do relatório. Como se tratava de uma questão que havia sido discutida anteriormente pelos ministros, Barbosa chegou a acusar o colega de “deslealdade”.“Está em jogo a credibilidade do tribunal. Essa questão já foi debatida três vezes. Esta é a quarta”, disse Barbosa, que há seis anos propôs o desmembramento,mas foi voto vencido. Lewandowski reagiu dizendo que o termo utilizado pelo colega era muito forte e isso prenunciava um julgamento “muito tumultuado”. Ele também afirmou que estava sendo atacado pessoalmente. “Como revisor, ao longo deste julgamento farei valer o meu direito de me manifestar.” O presidente do STF, Carlos AyresBritto,tevedeinterferirvá-rias vezes para tentar apaziguar os ânimos e chegou a pedir ao revisor que fosse mais rápido em sua manifestação. O pedido não surtiu efeito. Ressentido com a pressão que sofreu para que liberasse o processo do mensalão, Lewandowski falou mais de uma hora sobre uma questão preliminar, tornando inviável o cumprimento do cronograma original.

Ele argumentou que em outras ocasiões o STF determinou a transferência de inquéritos e ações penais para a primeira instância, corroborando a tese de Thomaz Bastos segundo a qual um cidadão tem direito ao chamado duplo grau de jurisdição, isto é, de poder recorrer a uma instância superior da Justiça–isso está estabelecido, lembrou o advogado, na Constituição e no Pacto de San José da Costa Rica. Terminada a discussão, a proposta de Thomaz Bastos foi rejeitada pelos ministros por 9 votos a 2–além de Lewandowski,Marco Aurélio Mello votou pelo desmembramento. Depois, houve tempo apenas para que Barbosa lesse o resumo de seu relatório. Os trabalhos serão retomados hoje às 14 horas.

Consequência. Advogados de réus acreditam que, com o atraso de ontem, diminuem as chances de o ministro Cezar Peluso dar suas sentenças sobre o mensalão. Visto como um juiz duro, de forte formação no Direito Penal e que tenderia a votar pela condenação na maioria dos casos, ele vai se aposentar de forma compulsória no dia 3 de setembro por completar 70 anos. Pelo cronograma definido pelo tribunal, Peluso conseguiria votar se antecipasse o seu voto. Ele só pode fazer isso, porém, após os votos do relator e do revisor do processo. Se o cronograma atrasar em um dia apenas, o ministro pode ficar de fora. O calendário do julgamento já está “implodido”,segundo observaram informalmente advogados de defesa. Alguns deles chegaram a especular a possibilidade de o STF ter sessões pela manhã a fim de manter o cronograma. Isso não impedirá novos atrasos por causa da tensão em plenário, avaliam os advogados dos acusados.

“Infelizmente ele (Peluso) não participará”, disse Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, que defende o publicitário Duda Mendonça. Ele ressaltou que o próprio voto antecipado já seria ruim porque no STF os ministros podem alterar o seu voto em meio ao debate em plenário. Outro advogado,que pediu para não ser identificado, destacou as discussões entre Barbosa e Lewandowski. “Em 30 minutos o relator e o revisor já estavam discutindo. O cronograma é inviável. O Peluso está fora”, sentenciou./ COLABOROU EDUARDO BRESCIANI