Título: Contraditório ou monólogos?
Autor: Gallucci, Mariângela
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/08/2012, Nacional, p. A4

O quinto dia de julgamento da Ação Penal 470 foi inteiramente dedicado a defesas orais dos advogados. Alguns dos mais experientes e conhecidos penalistas do País sucederam-se na tribuna, apresentando seus argumentos, de-fendendo a inocência de seus clientes e procurando rebater os argumentos, as estratégias probatórias e as construções doutrinárias da acusação. Fizeram isso com segurança, contundência e invejável oratória. O primeiro elemento que chama a atenção é que essas defesas orais repetem as alegações finais que, há tempos, foram divulgadas na internet. Isso significa que as sustentações que podem impressionar não só pela forma de sua apresentação, mas também pela riqueza e detalhamento de seu conteúdo, nada mais são do que a reprodução do trabalho dos advogados, trabalho esse já realizado nos longos anos de tramitação do processo e amplamente conhecido. Aquilo que é apresentado como realização do mandamento constitucional do contraditório (a defesa responde à acusação e contradiz suas teses) até agora se reduz a um ritual público de repetição.

São muitos os estudiosos que analisam o processo judicial, em particular o processo penal, como um ritual simbólico, sem verdadeiro valor de prova, de debate e de decisão. Como ensinava meu saudoso professor Alessandro Baratta, o processo penal assemelha-se a um “teatro”. Com todas as virtudes e as falhas dos atos teatrais que representam, que imitam o vivido e não buscam a verdade nem querem fazer justiça. A essa constatação se acrescenta mais um dado negativo. As defesas orais de hoje e, muito provavelmente dos próximos dias, são puros monólogos. Os advogados fazem uso da palavra cada um por uma hora, de maneira contínua, sem interação com os demais participantes do processo, sem perguntas, respostas, questionamentos e correções. A única exceção foi uma lacônica pergunta do ministro Dias Toffoli, que recebeu uma igualmente lacônica resposta do advogado. Ínfima exceção que confirmou a regra absoluta. O contraditório limita-se a contraposições de monólogos. Sem esforço de construir, de maneira realmente “contraditória”, o resultado do processo. Temos uma prática da Justiça Penal que merece um olhar crítico. PROF. NÚC. CONSTITUIÇÃO E JUSTIÇA DA DIREITO GV