Título: Nova lei das cotas em universidades federais vai afetarvestibular deste ano
Autor: Bergarkasco, Débora ; Thomé, Clarissa
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/08/2012, Vida, p. A22

Educação. Texto aprovado anteontem pelo Senado será sancionado pela presidente Dilma Rousseff em até 15 dias e passa a valer ao ser publicado; instituições terão até quatro anos para se adaptar, mas apenas um ano para adotar ao menos 25% do que a lei prevê

Quem prestar vestibular no fim deste ano já poderá ser afetado pela Lei das Gotas, aprovada anteontem pelo Senado. O texto vai ser sancionado pela presidente Dilma Rousseff em até 15 dias e passará a valer assim que for publicado. As universidades federais terão até quatro anos para se adaptar às novas regras, mas apenas um ano para adotar ao menos 25% do que a lei prevê - ou seja, terão de implementar o modelo único de cotas em uma escala menor.

Reitores criticaram o projeto aprovado, afirmando que ele fere a autonomia universitária. Educadores veem com restrição a instituição de cotas raciais, embora muitos elogiam a iniciativa de separar vagas para alunos egressos da rede pública.

A nova lei prevê que 50% das vagas de todos os cursos e turnos das federais sejam reservadas a estudantes que cursaram todo o ensino médio em escola pública. Uma parte dessas vagas deve ser dedicada a negros, pardos e índios, e outra a alunos com renda familiar igual ou menor a 1,5 salário mínimo por pessoa.

A universidade federal que promove apenas um vestibular por ano terá de, necessariamente, adotar esse sistema de cotas já em seu exame do final de 2012 ou início de 2013.

Em meio à satisfação da presidente Dilma Rousseff e ao descontentamento dos reitores, o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, optou por não comentar nada sobre a aprovação da lei das cotas. Oficialmente, ele quer primeiro conversar com a presidente, se inteirar sobre o assunto, para só então se manifestar. Nos bastidores, a conversa é outra. Entre os que trabalharam pela aprovação do projeto de lei é quase unânime a tese de que Mercadante nunca foi simpático ao sistema.

Ele teria, inclusive, pedido várias vezes para que o projeto não entrasse na pauta de votação - resistência atribuída à rejeição do tema no Estado de São Paulo, seu reduto eleitoral.

Mas o cenário foi ficando cada vez mais propício para a votação dessa lei especialmente após a aprovação pelo Supremo Tribunal Federal da constitucionalidade das cotas. Outro facilitador, acreditam interlocutores, foi a saída de Demóstenes Torres (sem partido-GO) do Senado, que sempre foi forte opositor das cotas e grande agregador de parlamentares.

Aprovado o projeto, a quebra da autonomia universitária é a principal crítica de reitores à de decisão do Senado. Representante dos reitores, a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) posiciona-se contra o projeto desde que a tramitação começou na Câmara.

"Quase todos os reitores são a favor de políticas afirmativas, mas as ações devem ser estabelecidas a partir da autonomia, respeitando a especificidade de cada região", afirma o presidente da Andifes, Carlos Maneschy.

Reitor da Federal do Pará (UFPA), ele ressalta que a uniformidade não é uma boa saída. "Aqui no Pará definimos cota de 50% para escola pública. Mas fomos nós que decidimos e tenho certeza de que essa fórmula não pode ser aplicada em todas." A notícia não foi bem recebida na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que tem um dos cursos de Medicina mais bem avaliados e disputados do País. "Ações devem ser feitas e estimuladas, mas é um assunto que deveria ficar para a universidade", diz o reitor, Walter Albertoni.

O reitor da Universidade Federal Fluminense (UFF), Roberto Salles, criticou a aprovação pelo Senado da reserva de metade das vagas das instituições federais para alunos da escola pública. Ele classificou a decisão como uma "intromissão indevida". "O Senado está transferindo a responsabilidade do ensino médio de qualidade, que cabe aos governadores e prefeitos, para as universidades. Estão passando o pepino", afirmou Salles.

Na UFF, em 2009, a cota equivalia a 10% dos novos estudantes. O porcentual foi aumentando progressivamente. Recentemente, a instituição aprovou a reserva de 25% das 9.940 vagas para 2013. "As instituições federais têm instituído a reserva de vagas de acordo com as suas possibilidades, dentro da sua autonomia", diz Salles.

A Universidade Federal da Bahia (UFBA) precisará de poucos ajustes para adequar seu processo de seleção de alunos ao projeto de lei que prevê a reserva de 50% das vagas para estudantes egressos do ensino médio na rede pública. "Nossa política de cotas é semelhante à aprovada pela Câmara", diz a reitora Dora Leal Rosa.

Em vigor desde 2004, o sistema de cotas da UFBA reserva 43% das vagas a estudantes que tenham cursado todo o ensino médio - além de pelo menos um ano do ensino fundamental - em escolas públicas. Além disso, oferece 2% das vagas a descendentes de índios. Dentro dos 43% destinados a estudantes da rede pública, 85% das vagas são direcionadas a quem se intitula negro ou pardo, seguindo as proporções da população baiana.

Para entender

Modelo valerá por 10 anos

1 - Como serão divididas as vagas? Metade das vagas vai para estudantes que cursaram todo o ensino médio em escola pública. A outra, para os que estudaram parcial ou integralmente na rede particular. Dentro dessa reserva haverá dois cortes. O racial garantirá que ingressem negros, pardos e indígenas autodeclara-dos, proporcionalmente à população do Estado. O recorte social garantirá que metade das vagas vá para o aluno com renda igual ou inferior a 1,5 salário mínimo. Cada reitoria vai definir o critério de distribuição de vagas.

2 - O recorte racial vale para quem cursa escola particular? O estudante de baixa renda que teve bolsa de estudos em escola particular pode entrar na cota social? Não para ambos os casos.

3 - Quando começa a valer essa lei? E a nova divisão de vagas? A presidente Dilma Rousseff tem até 15 dias para sancioná-la - a lei passa a valer a partir da data de publicação. As universidades terão quatro anos para se adaptar ao modelo, mas têm apenas um ano para implementar pelo menos 25% dele. Ou seja, de um a três anos, pode ser aplicado em menor escala, como um teste. Dependerá da escolha de cada universidade. Esse modelo valerá por dez anos, quando será novamente avaliada a necessidade de manutenção desse sistema.