Título: Justiça: não há quem não entenda
Autor: Brito, Ricardo ; Gallucci, Mariângela
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/08/2012, Nacional, p. A4

O STF deve começar a emitir hoje o seu julgamento no mensalão. A principal consequência, não é absurdo sustentar, é o sentimento de justiça ou injustiça que se seguirá ao veredicto. Quando o País parar para assistir à sentença, mais do que o destino individual dos réus estará em jogo a crença sobre a possibilidade ou não de fazer justiça no Brasil.

O conceito de justiça, entretanto, como é característico dos conceitos realmente fundamentais para a vida humana, desafia definições pelo fato simples de parecer evidente a cada um. Como a liberdade no verso maravilhoso de Cecília Meirelles, também a ideia de justiça é uma palavra que o sonho humano alimenta, e não há ninguém que explique, nem ninguém que não entenda. Mas, dada a importância do processo, aqui é preciso que tudo se explique e se entenda. E que cada ministro explique não apenas seu voto, mas o porquê do voto. O caráter simbólico do julgamento, seu potencial para reafirmar ou desmentir, num instante, séculos de leituras sobre a nossa sociedade, torna essa explicitação absolutamente crucial.

Referências genéricas a interesses de cliente ou do Estado não bastam. Não basta alegar que este ou aquele aspecto técnico obriga à absolvição ou não impede a condenação, que esta ou aquela prova deve ser aceita ou não por razões técnicas. Razões técnicas, como bem intui o cidadão, não são incontroversas e dependem da interpretação que se dá às normas. E tal interpretação se funda em crenças e opções fundamentais. Daí o imperativo de que cada voto afirme com clareza o modo como o julgador valora e articula técnica e fato, procedimento e substância. Em outros termos, é preciso que cada um deles explicite de que maneira entende que se deva produzir a conexão entre Direito e Justiça no Brasil.

Qualquer que seja a decisão do STF, é inevitável que haja frustração, de alguns ou de muitos, natural em sociedades democráticas. O que não é inevitável que ela se traduza em descrença nas instituições. Para impedir a descrença, as absolutas clareza e transparência não apenas quanto ao como se chegou a tal decisão, mas, sobretudo, quanto aos motivos pelos quais se escolheu esse caminho, em detrimento de outros, contribuem mais decisivamente para que haja justiça na sociedade brasileira.