Título: Critérios raciais da Lei de Cotas nas universidades podem causar distorções
Autor: Lira, Davi
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/08/2012, Vida, p. A22

Fixar o porcentual de cotas para negros, pardos e indígenas de acordo com a proporção dessas populações nos Estados pode criar distorções na aprovação das universidades federais. Isso porque o volume de inscritos nos vestibulares nem sempre tem correlação com esse porcentual. Além disso, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) possibilita que candidatos de outros Estados concorram em qualquer universidade federal do País.

Essa reserva de vagas por cor de pele está na Lei de Cotas aprovada no Senado anteontem. O projeto, que precisa ser sancionado pela presidente Dilma Rousseff, prevê que 50% das vagas das universidades federais sejam reservadas para alunos da escola pública - respeitando as reservas por cor de pele e renda.

Pelo Enem, por exemplo, um aluno de Santa Catarina - cuja população negra e parda não passa de 15,47% - pode concorrer pela cota com mais chances de sucesso em uma instituição do Pará, Maranhão e Bahia. Nesses Estados, o porcentual total da população negra e parda é superior a 76%, segundo o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Quando se olha as proporções de inscritos em todo Brasil no Enem, divididos por cor de pele, os números seguem a realidade nacional apurada pelo IBGE. Mas quando se diferencia por Estados, algumas distorções aparecem. O Rio é um ótimo exemplo.

O Estado tem quatro universidades federais, entre elas a UFRJ - a maior federal do País. Todas terão de respeitar a proporção de 51% de negros e pardos, indicada pelo Censo. Mas a proporção de inscritos no Enem de 2010, por exemplo, foi de 43% - representando uma diferença de 18% entre as duas realidades. O porcentual pode parecer pequeno, mas significará a substituição de candidatos de escolas particulares daquele Estado por negros e pardos de outros - utilizando-se de uma cota alheia a ele. O porcentual menor de negros entre os inscritos, na comparação com a proporção do Estado, é também visto em outros vestibulares. Na Fuvest, por exemplo, esse grupo corresponde a 18,1% das inscrições, e a proporção de São Paulo é de 34,82%.

O vestibular da USP, no entanto, não será afetado pela lei.

STF Crítico das cotas com critério racial, o advogado José Roberto Ferreira Militão concorda que há margem para distorções e diz que a lei abre espaço para questionamentos jurídicos. "A interpretação é dúbia e a questão deve ir para o Supremo Tribunal Federal", afirma ele, militante do movimento negro. Para Militão, a própria fixação do porcentual de negros causa múltiplas interpretações. "A lei, quando quer ser, é clara. Essa é um engodo, porque não fica claro se esse porcentual de negros será distribuído incluindo os cotistas por renda." A lei indica que os critérios serão definidos por cada universidade.

O diretor da ONG Educafro, frei David Santos, afirma que os negros vão se inserir nos processos seletivos cada vez mais. "O povo não é bobo, não fica participando de algo excludente, injusto. Agora tudo pode mudar."

Novas regras viram alvo de discussão em rede social No Facebook, pelo menos dez páginas criticando as regras de reserva de vagas foram criadas ontem. Na mais popular, "Contra 50% de cotas nas universidades federais", 2.629 "curtiram" a página. Entre os quase 60 internautas que comentaram a proposta, há críticas ao que seria o "contrato de falência" do ensino e pedidos para que a presidente Dilma Rousseff vete o projeto.

"É mais fácil tapar o Sol com a peneira, assinando o "contrato de falência" do ensino público brasileiro, do que investir no mesmo. Sem contar que alunos com melhor base ficam de fora pela falta de compromisso do Estado", escreveu na rede Rodrigo Melo. "É evidente que, despreparados, os graduados cotistas precisarão de cotas para conseguir emprego", cita outro.

A Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep) afirmou ontem que pretende entrar com ação na Justiça para questionar a lei das cotas para universidades federais. "A lei não só desrespeita a igualdade de acesso como facilita a entrada de apenas uma parcela dos estudantes brasileiros", diz presidente da Fenep, Amábile Passos. Gheisa Lessa e P.S.