Título: Procurador usa dado sob sigilo a favor de empresa
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Fonte: O Estado de São Paulo, 12/08/2012, Nacional, p. A12

Chefe do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), o procurador Lucas Rocha Furtado defen­deu no plenário a entrega da concessão da BR-101 no Espíri­to Santo a um grupo de empre­sas, baseando-se em proposta sigilosa, que deveria estar la­crada em cofre da Bolsa de Va­lores de São Paulo (Bovespa).

O aval foi dado ao Consórcio Rodovia Capixaba. O grupo tra­va uma guerra jurídica para des­classificar o vencedor do leilão pelos pedágios, que devem ren­der R$ 6,93 bilhões em 25 anos. Nos bastidores do TCU, a mani­festação abriu uma crise em tor­no do processo, permeado por pressões políticas.

Uma das prioridades do Pro­grama de Aceleração do Cresci­mento (PAC), o leilão da BR-101 é o primeiro da série de conces­sões rodoviárias previstas pelo governo Dilma Rousseff. Realiza­do em janeiro, teve como primei­ro colocado o Consórcio Rodo­via da Vitória, liderado pela con­cessionária EcoRodovias, com preço de pedágio 6,5% mais bara­to que o da Rodovia Capixaba. Formado por seis empresas do Espírito Santo, o grupo levou ao Ministério Público Federal su­postas irregularidades nos docu­mentos da concorrente.

Pelas regras do edital, após o fim do pregão, só é divulgada a proposta vencedora. Tanto os documentos de habilitação quanto o plano de negócios dos demais ficam sob custódia da Bo­vespa, que, consultada pelo Esta­do, reiterou nãò tê-los fornecido a nenhum órgão.

No dia 1°, ao discutir recurso de sua autoria em sessão do TCU, o procurador pregou a assi­natura do contrato com a Rodo­via Capixaba. Para ele, os documentos da empresa não contêm vícios, atendem aos requisitos formais e ao interesse público.

"Defendo a classificação em primeiro lugar da segunda proposta. Nela, não há falha formal. Defendo, portanto, essa propos­ta, de modo que seja considerada válida", afirmou Furtado, ao contestar o voto do relator do processo, ministro José Múcio Monteiro, que se manifestou em favor da contratação do consór­cio vencedor.

"Pressões". Exceto a Bovespa, em tese só o próprio consórcio tem acesso à proposta que for­mulou. Os documentos da Rodo­via Capixaba não constam do processo no TCU. Para alguns ministros, o procurador agiu com parcialidade em favor da Ro­dovia Capixaba, que tem conta­do com o apoio de setores do PMDB. Por sua vez, o primeiro colocado tem aval do governo.

Em sua exposição, o procura­dor citou "pressões", às quais o plenário estaria submetido. "Gostaria, senhor relator, que Sua Excelência não tivesse rece­bido as pressões que recebeu, mas tenho a certeza de que está seguindo a sua consciência", dis­se Furtado. Múcio retrucou: "Não estamos discutindo sob efeitos de pressões, estamos dis­cutindo pontos de vista".

Dois ministros votaram com o relator. Ex-secretário geral do Senado, indicado ao TCU por Jo­sé Sarney (PMDB-AP), Raimundo Carreiro encampou a propos­ta do procurador. A votação foi interrompida por Aroldo Cedraz, que pediu a retirada de pau­ta até a semana seguinte.

O processo não voltou ao ple­nário. Depois de apresentar seu voto, Múcio deixou a relatoria, alegando motivo de foro íntimo. O processo foi sorteado para Valmir Campeio, que se declarou suspeito, também por motivo pessoal. O novo relator é Rai­mundo Carreiro.

Aconcessão da BR-101 no Espí­rito Santo tem 475,9 quilôme­tros. A concessionária vai explo­rá-la por 25 anos, com o compro­misso de R$ 2,1 bilhões em inves­timentos, entre os quais a dupli­cação nos primeiros cinco anos. Serão sete praças de pedágio. Os preços propostos pelo consór­cio classificado em primeiro vão de R$ 1,21 a R$ 2,81.