Título: Governo já vê inflação maior no ano
Autor: Dantas, Fernando
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/08/2012, Economia, p. B4

Fontes da equipe econômica já reconhecem que a inflação vai ficar mais longe do centro da meta, de 4,5%, em 2012. A principal razão é a alta dos grãos no mercado internacio­nal, por causa da seca nos Esta­dos Unidos. Depois de conver­gir de 7,23% para 4,92% entre agosto do ano passado e ju­nho, a inflação acumulada em 12 meses voltou a acelerar em julho, atingindo 5,2%.

A visão na equipe econômica é de que é natural que a trajetória de convergência tenha altos e baixos. "A economia é bombar­deada constantemente por cho­ques favoráveis e desfavoráveis, e o processo de convergência não é linear, não é monotônico", explicou uma fonte.

Nessa interpretação, a econo­mia foi atingida por dois cho­ques de oferta "clássicos". O pri­meiro é a pior seca em meio sécu­lo, que atingiu a produção de grãos nos Estados Unidos, jogan­do para cima os preços de produ­tos agrícolas, especialmente do milho. O outro foram problemas com produtos in natura no Bra­sil, como o tomate, que aumen­tou 50% em julho.

Esse choque doméstico, na vi­são das autoridades econômi­cas, é menos preocupante e deve ser revertido mais rapidamente. Já a alta dos grãos no mercado internacional deve ser mais pro­longada, segundo a fonte, e seu efeito sobre a inflação vai demo­rar a ficar claro.

Para muitos analistas, o Banco Central (BC) terá de enfrentar uma travessia delicada: ao mes­mo tempo em que administra o fim do ciclo de cortes da Selic (que já caiu de 12,5% para 8%) no contexto de uma economia que pode crescer menos de 2% em 2012, a autoridade monetária se vê às voltas com um repique da inflação.

"Eu não gostaria de estar na pele do BC neste momento", diz Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do Instituto Bra­sileiro de Economia (Ibre/FGV). Ela está preocupada com a infla­ção de serviços, que se acelerou para 0,79% em julho, acumulan­do uma alta de 7,9% em 12 meses.

A economista nota que a infla­ção de serviços de fato demora mais areagir às flutuações da eco­nomia, mas considera que a rigi­dez está acima do previsto. Para Silvia, "o IPGA em 2012 pode até caminhar para 5,5%, dependen­do da alimentação".

Já o economista Fernando Ro­cha, sócio da gestora de recursos JGP, no Rio, diz que "relativiza um pouco" o atual repique da infiação e acha que ele está mais ligado mesmo à alta dos grãos no mercado externo e aos produtos in natura no Brasil. "Não é nada que tire o BC do seu jogo atual, e acreditamos que a Selic vai ser cortada em 0,5 ponto em agosto e 0,5 em outubro, indo para 7%", diz Rocha.

Outra questão complicada pa­ra o Banco Central é o mercado de trabalho, no qual o desemprego permanece em níveis recor­des de baixa, mesmo com o fraco crescimento desde o segundo se­mestre do ano passado.

Trabalho. Para a fonte da equipe econômica, o mercado de trabalho já está reagindo à desaceleração, o que pode ser notado em dados de contratações, geração de emprego formal e horas traba­lhadas na indústria (que caíram 6% no primeiro semestre). A fonte cita ainda os episódios de férias coletivas, licenças remunera­das e os acordos de redução de jornada e de trabalho.

"A desaceleração da atividade está gerando capacidade ociosa sim - na margem o desemprego cresceu alguma coisa em junho, e esse é um fator da dinâmica dos preços", diz a fonte.

Há também no governo a vi­são de que a manutenção do de­semprego em nível relativamen­te baixo também pode ser expli­cada por questões demográfi­cas, como a queda da população que ingressa no mercado de tra­balho, reduzindo a demanda por emprego em relação à oferta. E existe ainda a questão da meto­dologia de cálculo de desempre­go do IBGE, em que, para efeito de se considerar alguém empre­gado, tanto faz um trabalho de oito horas diárias ou de apenas poucas horas por semana.

Um outro problema, porém, continua a fonte, são os salários, que continuam pressionados, mesmo com os sinais de que o mercado de trabalho já está cedendo. Nesse caso, a visão é que o aumento de 14% do salário mí­nimo este ano pressiona as nego­ciações de muitas categorias que ganham de um a dois salários mí­nimos, especialmente no setor de serviços. Além disso, há os reajustes salariais pela inflação pas­sada, que reforçam a inércia da inflação no País.

Em termos de política fiscal, a percepção é de que ela está cami­nhando de uma postura contracionista (que ajuda a esfriar a economia e reduzir a inflação) para uma posição neutra. Contri­bui para isso os resultados fis­cais um pouco menos fortes, liga­dos em parte às diversas isen­ções distribuídas pelo governo para estimular o consumo e o in­vestimento.

A aposta do governo é que a economia retome o crescimento no segurldo semestre, com a in­flação um pouco mais alta por causa dos choques de oferta, mas acomodada por um merca­do de trabalho em processo de gradual desaquecimento.