Título: Banco fecha o cofre e Siena entra na crise
Autor: Smoltczyk, Alexander
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/08/2012, Economia, p. B14/15

Dependente do terceiro maior banco da Itália, cidade da Toscana perde patrocínios

Valentina ainda tinha 22 horas. Ela precisava apresentar documentos à Federação Italiana de Futebol para inscrever seu clube na série A, a primeira divisão da Itália. Será um triunfo, a merecida conclusão de uma temporada na qual o time feminino da cidade de Siena se qualificou para ascender, pela primeira vez, ao nível mais alto do futebol italiano.

A entrega dos documentos em Roma não seria problema. A questão era a taxa de 17 mil. O patrocinador do clube desistiu, por "decisão interna", como explicava um fax num papel com o logotipo da Fundação del Monte dei Paschi das três colmeias.

Valentina Lorenzini é treinadora, massagista e organizadora do clube Siena Calcio Femminile. É uma mulher troncuda de 43 anos, que se recusa a acreditar que tudo acabou, que alguma coisa chegou ao fim na sua cidade. "Nós ganhamos e não podemos ser promovidas", ela diz. "A que ponto nós chegamos!"

Feliz exceção. Sempre foi assim em Siena, idílica cidade da Toscana, onde até as pedras que pavimentam as ruas parecem ter sido esculpidas pelo próprio Bernini. É uma cidade que recebia ano após ano os ganhos de um banco importante, o Monte dei Paschi di Siena (MPS). Às vezes, 150 milhões, outras vezes até 200 milhões. É muito dinheiro para uma cidade com uma população de 55 mil habitantes.

Siena foi sempre considerada uma feliz exceção na Itália, uma cidade próspera com hospitais que funcionam, assim como a coleta seletiva do lixo e os ônibus de graça para os estudantes. E agora ela não tem nem dinheiro para registrar o clube feminino de futebol local na série A.

Os cofres de Siena estão vazios, o principal banco precisa tomar dinheiro emprestado, as elites faliram e um comissário assumiu o controle da cidade. Siena, que era exceção, tornou-se reflexo da situação geral do país. E este não é nenhum elogio para a maior parte dos seus habitantes.

Em parte, isso tem a ver com a crise da dívida, em parte com o Estado italiano e muito com Siena. Em todo caso, agora, centenas de sienenses estão desfilando usando as falsas tranças, estilo Yulia Tymoshenko, e com chupetas na boca na Piazza del Campo, batendo tambores e agitando bandeira azuis e brancas.

O segredo de Siena. São fãs comemorando a vitória da Onda, o bairro da cidade velha logo atrás da Câmara Municipal, na corrida de cavalos (Pálio) que se realiza duas vezes ao ano. A competição foi há mais de uma semana, mas as comemorações e os banquetes nas calçadas continuam. E como o cavalo vencedor se chamava Ivanov, as mulheres usam as tranças que são a marca da ex-primeira-ministra ucraniana, porque o nome dela soa russo para eles. As chupetas deveriam significar que todo o bairro renasceu com a vitória do cavalo.

Valentina, a treinadora, também faz parte da Onda. Ela foi batizada na Onda, e um dia, num futuro distante, seu corpo será enterrado na igreja do mesmo bairro. É assim que funcionam as coisas aqui. Os 17 bairros, ou contrades, são o mistério da cidade. Seus nomes datam da Idade Média: Girafa, Caracol e Unicórnio. Eles têm seus próprios rituais de batismo e de morte, suas próprias bandeiras, símbolos e jornais, e cada um seu próprio capitano, o líder. O jornal Corriere di Siena dedica diariamente uma página inteira às contrades.

Para alguns, essa é uma forma exemplar de democracia numa comuna, e um dos benefícios é ter garantido a Siena um índice de criminalidade muito baixo. Porém, para os críticos, as contrades não passam de grupos de interesse em roupas folclóricas, cujo objetivo é tirar o máximo de dinheiro dos cofres do banco.

Os dois pontos de vista não são excludentes. É indiscutível que as contrades não teriam funcionado tão bem sem o acesso aos lucros do terceiro maior banco da Itália. A cidade e a Província de Siena formam o conselho de direção da Fondazione Monte dei Paschi di Siena, e a fundação é o maior acionista da Banca Monte dei Paschi di Siena.

Visão de herege. "Siena está nas mãos de uma oligarquia que distribui os postos-chave a seus membros", diz Raffaele Ascheri, professor do ensino primário revoltado, pertencente a uma antiga família da Onda. Definindo-se o "herege de Siena", ele tem um blog e, em vários livros cuja publicação paga do próprio bolso, pinta um quadro de uma cidade na qual políticos dos dois lados e capitães das contrades brigam pelo butim.

O inimigo preferido do herege é Giuseppe Mussari, que Ascheri e outros consideram o homem que levou Siena ao colapso atual. "Ele não entende sequer o inglês direito, que dirá a administração de um banco", diz Ascheri. Mussari foi o presidente da fundação durante muitos anos e, até abril, o presidente do MPS. Agora, ele é o presidente da Associação Bancária Italiana (ABI).

A gestão de Mussari agradou à cidade durante anos. Tanto no fornecimento de ambulâncias ou no banquete para os cidadãos no bairro da Girafa, "la banca" sempre pagava a conta. Em 2008, gastou 233 milhões com a cidade e 180 milhões no ano seguinte. Em 15 anos, o MPS distribuiu cerca de 2 bilhões, numa cidade de 55 mil habitantes.

Bastava que os cidadãos apresentassem os pedidos, e na maioria dos casos, seus sonhos se realizavam. Entre esses sonhos, estava a Siena Biotech, um centro de pesquisa farmacêutico, uma rodovia expressa até Florença, um relicário de Francesco di Vannuccio, uma exposição de Donatello, ônibus escolares e uma piscina - todos projetos importantes e interessantes.

Até em 2010, o ano atingido pela crise, o MPS ainda distribuiu 109 milhões a Siena. Mas, no ano seguinte, a resposta do banco mudou: "Niente. Absolutamente nada. Somente os projetos em andamento". Essas são as palavras do funcionário da Fondazione MPS, que não quer ser identificado. Seu escritório fica no palazzo da fundação, decorado com os afrescos e uma Vênus de Domenico Beccafumi no salão de conferências.

Não se sabe por quanto tempo a pintura continuará lá. No início do ano, a fundação devia 1 bilhão, fundamentalmente a instituições de crédito internacionais, como o JPMorgan e o Credit Suisse, credores que não podem ser facilmente ignorados. Com passivos como esses, nenhuma coleção de arte estará segura. / TRADUÇÃO ANNA CAPOVILLA