Título: ONU acusa forças de Assad e rebeldes sírios de crimes contra a humanidade
Autor: Simon, Roberto
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/08/2012, Internacional, p. A14

A ONU acusou ontem Bashar Assad e os rebeldes do Exército Sírio Livre (ESL) de crimes contra a humanidade no conflito na Síria. Em relatório, a comissão que investiga a crise, chefiada pelo brasileiro Paulo Sérgio Pinheiro, alertou para a significativa deterioração do conflito. Ontem, um atentado reivindicado pelo ELS atingiu um hotel usado pela ONU em Damasco. Na Província de Alepo, um ataque da Força Aérea de Assad matou 30 pessoas.

Segundo o relatório da ONU, ambos os lados passaram a usar táticas mais sofisticadas e brutais. O documento detalha abusos e ataques indiscriminados contra civis, além do uso de violência sexual como arma de guerra. Segundo o levantamento, nos últimos 6 meses 125 crianças foram assassinadas, várias delas submetidas antes a tortura e abuso sexual.

A investigação da ONU, sob chefia do Conselho de Direitos Humanos, concluiu que há fortes indícios de que tanto o regime de Assad quanto os insurgentes cometeram crimes de guerra. O documento faz uma ressalva: "As violações e abusos cometidos por forças (de oposição) não tiveram a gravidade, frequência e escala daqueles perpetrados pelo governo e pelas milícias shabiha (leais a Assad)". O documento também conclui que as forças de Assad estiveram diretamente envolvidas no massacre de Houla, em maio, quando 108 civis, incluindo 49 crianças, foram assassinados.

Em entrevista a jornalistas na sede da ONG brasileira Conectas, em São Paulo, Pinheiro criticou o papel de governos estrangeiros que travam uma "guerra por procuração" na Síria e defendeu a adoção imediata, no âmbito da ONU, de um embargo de armas ao país. "Apenas o consenso internacional, sobretudo entre as potências do Conselho de Segurança, pode facilitar uma solução", afirmou.

O cerco diplomático à Síria apertou ontem com sua suspensão da Organização para a Cooperação Islâmica, em um encontro de líderes muçulmanos em Meca, apesar da oposição do Irã, um dos principais aliados sírios. Os rebeldes mantêm 48 iranianos como reféns, sob argumento de que parte do grupo é formado por membros da Guarda Revolucionária iraniana. Conforme o serviço de inteligência americano, a informação é verdadeira.

Segundo Pinheiro, a oposição síria não tem chances de derrotar Assad pela via militar. "As forças do governo somam 300 mil homens na ativa, estão muito bem armadas e a cadeia de comando segue, basicamente, intacta. Os que até agora desertaram não comandavam tropas. Não se trata de um Exército de Brancaleone e de um Estado pertencente a um bufão, como era o caso da Líbia."

Questionado sobre a alegação do ex-premiê sírio Riad Hijab, de que o regime de Assad está ruindo e só controla 30% do território, o emissário da ONU ironizou: "Me engana que eu gosto."

Violência. Um ataque aéreo das forças leais a Assad matou ao menos 30 pessoas em Azaz, um vilarejo controlado por rebeldes próximo da fronteira com a Turquia, a 50 quilômetros de Alepo. De acordo com fontes médicas, dezenas de pessoas ficaram feridas. Diversas casas foram destruídas no bombardeio e moradores ainda vasculhavam os escombros em busca de sobreviventes.

Em um vídeo divulgado na internet - cuja autenticidade não pode ser verificada em razão do embargo à imprensa ocidental imposto pelo regime de Assad - rebeldes sírios carregavam corpos ensanguentados de vítimas do bombardeio. Ainda segundo os rebeldes, sete libaneses mantidos por eles como reféns foram feridos no ataque.

Em Damasco, o ESL organizou um atentado perto de um hotel utilizado por monitores da missão da ONU na Síria. Três pessoas ficaram feridas. O local do ataque também era utilizado por militares e funcionários do Ministério da Defesa. Rebeldes disseram que o alvo da operação era um centro de comando.

Pinheiro chefia uma equipe de 20 funcionários que até agora não teve permissão de Assad para entrar na Síria. O relatório apresentado ontem tem base em 693 entrevistas e imagens de satélite. / ROBERTO SIMON, COM AP E REUTERS