Título: Concessões : nova postura de política econômica
Autor: Pereira, Renée
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/08/2012, Economia, p. B4

EX-PRESIDENTE DO BNDES, EXECUTIVO CHEFE DA QUEST , INVESTIMENTOS - O Estado de S.Paulo

O governo apresentou ontem à sociedade brasileira - com pompa e circunstância - um extenso programa de concessões de serviços públicos ao setor privado, com vistas a aumentar os investimentos na infraestrutura logística do País. A importância dada pelo governo da presidente Dilma a este ato mostra uma nova postura e, claramente, a disposição de romper com a posição histórica do PT em relação a esse caminho administrativo. Foi um ato claro de um governante que decidiu mudar o rumo de seu governo em uma questão que tem dividido coração e mentes no Brasil por um período já longo demais.

O jornal O Estado de S. Paulo pediu-me que escrevesse algumas linhas sobre o que representa essa mudança de rumo para o crescimento da economia brasileira no restante desta década. Certamente, o convite está relacionado à minha experiência como um dos principais executores da política de privatizações do governo Fernando Henrique e de outros governadores tucanos na década de 90 do século passado. Mas vou fazer minhas reflexões fora da clivagem PT/ PSDB que tem marcado esse debate no Brasil e que faz parte do passado, quando o importante hoje é construir nosso futuro.

A presidente Dilma já deu demonstrações suficientes de que está disposta a realizar um governo que procure responder aos desafios novos que a evolução da economia nos últimos anos vem criando. Os anos Lula foram marcados principalmente por ajustes conjunturais importantes e que criaram forças adicionais na dinâmica de crescimento da economia, permitindo que o Brasil crescesse acima das taxas de longo prazo sem um esforço adicional de investimentos. As mais importantes dessas forças expansionistas foram o crescimento de nossos termos de troca, a valorização do real, o aumento das importações, a expansão do crédito ao consumo e a existência à época de um grande contingente de pessoas desempregadas.

Mas esta fase de ocupação de capacidade ociosa em vários setores-chave da economia terminou. Estamos hoje com tensões novas, criadas pela existência de gargalos em setores importantes como no mercado de trabalho, nos gastos com o serviço da dívida das famílias e na infraestrutura econômica. Aumentando a pressão sobre a competitividade do setor produtivo industrial, herdamos da economia fechada do passado uma estrutura de custos, em uma cesta importante de insumos de produção, muito superior à existente em países que concorrem conosco nos mercados internacionais e locais.

O nome do jogo mudou e a política de estímulos ao consumo, do período Lula, precisa agora ser substituída por medidas que estimulem o aumento da oferta. Ora, esse objetivo só pode ser obtido via aumento dos investimentos, dentro de uma agenda de caráter estratégico e de prazo mais longo. As frustrações com o crescimento econômico neste ano de 2012 certamente abriram os olhos do governo para esta nova agenda de política econômica.

As concessões de serviços públicos é um dos instrumentos importantes nessa mudança de prioridades e, portanto, o anúncio desse novo programa deve ser recebido com todo o nosso apoio, analistas das coisas da economia. Outra mudança bem-vinda é a decisão do governo de respeitar o caráter privado das empresas concessionárias e deixar de impor condições draconianas e que inviabilizam na prática a entrada de empresas eficientes em seus diversos setores de atuação. O exemplo das últimas concessões no setor de aeroportos certamente serviu para isso. O sucesso de uma política de concessões de serviços públicos depende de um correto equilíbrio econômico financeiro dos contratos e uma postura madura e eficiente das agências que regulam esses setores, como mostra a experiência brasileira.

Espero que outras medidas voltadas para o lado da oferta sejam tomadas ainda pelo governo, mas hoje é importante que saudemos com otimismo esse movimento da presidente Dilma Rousseff.