Título: Não basta transferir operações para eliminar gargalos
Autor: Dantas, Iuri ; Monteiro, Tânia
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/08/2012, Economia, p. B8

Se a economia esbarra em gargalos crônicos de transporte e logística e se, ao mesmo tempo, o governo se vê diante de restrições fiscais incontornáveis, transferir ao setor privado a criação, ampliação e operação de infraestrutura é uma saída mais do que óbvia. Assim, a primeira observação ao programa de concessões de rodovias e ferrovias lançado ontem pela presidente Dilma Rousseff é que ele demorou muito. Os gargalos e as restrições estão aí não é de hoje.

Uma segunda observação é que programas desse tipo exigem paciência. Paciência não só na execução, mas também na análise de seus impactos, acertos e erros. As primeiras licitações das novas concessões estão previstas para o começo do próximo ano. Até lá - ou, melhor, até que as operações tenham vencido as primeiras etapas dos processos de implantação e ajuste, ali pelos fins de 2013, na melhor das hipóteses - só se pode conjecturar sobre os efeitos diretos das medidas.

Outros cuidados devem ser observados na avaliação de programas dessa natureza. O volume de recursos envolvido, por exemplo, é grande ou pequeno? São R$ 133 bilhões - pouco mais de 3% do PIB -, em longos 20 anos, com previsão de gastos de R$ 80 bilhões, nos primeiros cinco anos. O valor definido para essa primeira fase expressa aplicações médias anuais de R$ 16 bilhões - nem 0,5% do PIB. Parece quase nada para tanto barulho. Mas, e os possíveis efeitos multiplicadores desses investimentos, sem falar na sinalização positiva transmitida ao conjunto do setor privado?

O principal, no fim das contas, é ter em mente que não basta transferir direitos de operação ao setor privado para garantir o fim dos gargalos ou mesmo a realização dos investimentos programados. É fundamental colocar em licitação projetos com marcos regulatórios bem estruturados.

Significa, de um lado, oferecer aos operadores garantias jurídicas, estimativas realistas de demanda e taxas de retorno compatíveis e, de outro, exigir metas firmes de investimento permanente em ampliação e melhoria dos serviços. Sem isso, o risco é o de contratar apenas gargalos futuros.

O arcabouço geral do programa de concessões agora lançado indica que, ao custo das muitas falhas e decepções nos últimos anos, o governo parece ter aprendido boas lições. Fica faltando a prova da vida real para que se possa concluir que a iniciativa, sem dúvida positiva, será bem-sucedida. A experiência pregressa, infelizmente, recomenda uma dose de ceticismo.