Título: Dólar ameaça cair abaixo de R$ 2 e BC intervém
Autor: Modé, Leandro ; Nakagawa, Fernando
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/08/2012, Economia, p. B4

Consolida-se entre os investidores a percepção de que o governo quer a moeda entre R$ 2 e R$ 2,10; volatilidade do câmbio desaba

A intervenção do Banco Cen­tral (BC) no câmbio ontem consolidou em analistas e ope­radores do mercado a ideia de que o Brasil tem, hoje, um regime cambial na teoria e outro na prática. Oficialmente, o País adota câmbio flutuante. No dia a dia, porém, o BC tem atuado sempre que a moeda americana se aproxima de R$ 2,10 ou ameaça cair abaixo de R$ 2. Esse cenário reduziu drasticamente a volatilidade do mercado de câmbio.

Um indicador de volatilidade acompanhado com atenção nas mesas de operação mostra que o vaivém das cotações atingiu nes­ta semana o ponto mais baixo em um ano. A medida, calculada com base nas opções de compra e venda de dólar para 30 dias à frente, mostra que, hoje, os in­vestidores esperam uma oscila­ção diária média de 0,6%.

No segundo semestre do ano passado, pico desde o estouro da crise de 2008, essa medida che­gou a mostrar expectativa de vo­latilidade de 2,20% ao dia.

"O regime é flutuante, mas o que vemos é o BC administrar. A autoridade tem dito qual é o pre­ço", afirmou o diretor executivo da NGO Corretora de câmbio, Sidnei Nehme. "Hoje o BC faz prevalecer sua vontade no câm­bio. Como não há surpresas, a vo­latilidade é baixa", disse outro profissional, que pediu para não ser identificado.

O dólar encerrou a terça-feira em queda de 0,05%, cotado a R$ 2,017. Nos últimos 12 meses, a moeda americana acumula valo­rização de 26% ante o real. Em 2012, a alta é de 7,92%.

Ontem, o dólar abriu em que­da e manteve a tendência até che­gar à mínima do dia, quando foi negociado a R$ 2,007. A proximi­dade da barreira numérica dos R$ 2 parece ter despertado o BC. A autoridade monetária anun­ciou, pouco depois das 11h30, um leilão de swap cambial que, na prática, eqüivale à compra de dólares no mercado futuro. A operação não era realizada des­de 27 de março.

Até a intervenção do BC, os in­vestidores atuavam de acordo com o cenário externo um pouco menos nebuloso. BC anun­ciou leilão para comprar até US$ 2,5 bilhões. O aviso interrompeu a queda e as cotações até sinali­zou ligeira valorização - que aca­bou não se confirmando ao final do dia. Apesar da disposição de comprar mais de US$ 2bilhões, a operação foi mais modesta: fo­ram adquiridos US$ 350,2 mi­lhões.

Oficialmente, a intervenção de ontem teve como objetivo an­tecipar a liquidação de antigas obrigações do BC no mercado fu­turo de dólares. Mas operadores e analistas dizem que as razões vão além do calendário de opera­ções da autoridade monetária. Para os profissionais, o BC, ali­nhado com o Ministério da Fa­zenda, tem defendido câmbio acima desse nível para tentar aju­dar a indústria.

O principal objetivo é favore­cer as exportações brasileiras, que ficam mais competitivas à medida que o dólar sobe. Ao mes­mo tempo, o câínbio torna im­portações mais caras, fato que também pode ajudar a indústria nacional.

"O governo anterior usava o dólar para ajudar a conter as pres­sões inflacionárias, mas essa es­tratégia destruiu a indústria na­cional", ponderou Nehme. Para ele, o empresariado ainda desconfia da intenção do governo de manter a moeda americana pouco acima dos R$ 2. "É por is­so que o BC atua quando essa barreira se aproxima. Quer mos­trar convicção para dar confian­ça ao setor real da economia".

Se a relativa calmaria externa persistir nos próximos dias, o dó­lar poderá voltar a testar a barrei­ra de R$ 2. Para um analista de mercado, em um primeiro mo­mento, o BC deve indicar que não renovará um lote de contra­tos de swap cambial - operação que, como a de ontem, eqüivale à compra de moeda americana.

"A questão é saber quando es­se expediente se esgotar: será que o BC voltará a comprar dólar no mercado à vista?", indagou o especialista.

Críticos da estratégia do gover­no dizem que o BC erra ao tentar atender várias demandas diferen­tes, como o crescimento da eco­nomia e uma taxa de câmbio favo­rável à indústria. Originalmente, dizem, o BC tem como missão assegurar o poder de compra da moeda - via cumprimento da me­ta de inflação - e garantir um sis­tema financeiro sólido.