Título: Russos vivem às portas de uma ditadura perfeita
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Fonte: O Estado de São Paulo, 18/08/2012, Internacional, p. A14

A janela pela qual o mundo vê atualmente a Rússia de Vladimir Putin é estreita e só pode ser aberta de fora - como a porta de uma jaula. As três jovens do grupo Pussy Riot, Maria Alyokhina, Yekaterina Samutsevich e Nadezhda Tolokonnikova - conhecidas dos amigos como Masha, Katya e Nadia - eram jovens com nomes russos comuns, comboas famílias e uma vida que tinha pouco a ver com "Vandalismo".

Maria Alyokhina não tinha 24 anos quando o grupo fez sua performance na Catedral do Cristo Salvador. Vivia com um filho de 5 anos e sua mãe em Moscou. Fora voluntária do Greenpeace e de uma instituição beneficente para crianças com problemas mentais. Quando um juiz referiu-se ao trabalho da banda como "pretensa arte contemporânea", ela observou que o futuro Prêmio Nobel Joseph Brodsky também fora ridicularizado pela sua "pretensa poesia" durante a era soviética, algo que aquela "pretensa corte" provavelmente não gostaria de ser lembrada.

Yekaterina Samutsevich, a mais velha das três, vivia com o pai quando foi presa. Trabalhou como programadora para o ministério da Defesa e envolveu-se no desenvolvimento do submarino nuclear "K-152 Nerpa". Ao deixar a companhia, trabalhou como freelancer durante um tempo e foi estudar fotografia. Nadezhda Tolokonnikova, estudante de filosofia de 22 anos, com uma filha de 4 anos, é a mais jovem, mas a mais experiente no campo da arte performática. Nascida na Sibéria, participava do grupo Voina, famoso por ações provocativas.

O vídeo da performance das três na catedral foi visto centenas de milhares de vezes na internet e as declarações veementes de Tolokonnikova contra Putin, milhões de vezes. Como resultado, a atraente jovem e suas companheiras conseguiram mais do que muitos dos líderes de oposição e artistas críticos do regime que ficaram velhos combatendo Putin.

As integrantes da banda punk, não importa suas mensagens simples, defendem a Rússia que está farta de um sistema legal arbitrário, do controle estatal e da elite corrupta. Sobretudo, está farta de Vladimir Vladimirovich Putin, o homem que prometeu libertar o país do legado da ditadura comunista e inicialmente foi recebido com grande aprovação. Ele comanda um regime em que membros da oposição são presos indiscriminadamente, suas casas são vasculhadas e promotores ajustam indiciamentos para atender às exigências políticas. Tudo é controlado pelo homem de 59 anos que poderá governar a Rússia até 2024.

Para o Kremlin, os protestos no Ocidente contra o julgamento são uma campanha para desacreditar o que consideram uma Rússia cada vez mais forte. Subaltemos afirmam que as jovens seriam punidas muito mais duramente por profanar uma casa de oração em outros países, especialmente nos países islâmicos que o Ocidente está "trazendo para sua esfera de influência com a força militar". Assim, Putin interpreta o apoio ocidental à Primavera Árabe, que Moscou considera uma "tomada de poder islâmica". Putin quer demonstrar que a Rússia readquiriu a posição que tinha no mundo durante a Guerra Fria, quando a União Soviética lutou pela supremacia com os EUA.

A abordagem de Putin pode ser um erro, que mais ameaça do que reforça o seu poder. Muitos russos, especialmente em Moscou, onde Putin não tem mais apoio da maioria - exigem mais voz na política.

Hoje, apenas um em cada três russos acha que o país é uma democracia.

Talvez o fato de a Pussy Riot ter se tomado um grande problema para Putin tenha mais a ver com o gênero das acusadas do que a importância do caso. As mulheres constituem apenas 13% de todos os membros da Câmara dos Deputados, a Duma. Elas detêm somente 83 governos de Estado e seis das 165 cadeiras na câmara alta do Parlamento. Ainda assim, estão na linha de frente nas manifestações, nas organizações não governamentais e em todos os níveis de desobediência civil. Se tivessem sido libertadas antes, o mundo provável-mente jamais ouviria falar delas.

A revolução é sexy e revolucionárias com olhar meigo, especialmente quando citam Solzhenitsyn e Simone de Beauvoir, encerradas numa jaula de vidro, tomam manchetes mais atraentes do que ataques de um dissidente de barba grisalha, não importa o sofrimento pelo qual ele passou. E é inegável que a historiadas três é mais acessível do que o trágico destino de defensoras de direitos humanos assassinadas, como a jornalista Anna Politkovskaya e a ativista Natalya Estemirova. As jovens da Pussy Riot entenderam as regras do jogo e as usaram brilhantemente. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

-------------------------------------------------------------------------------- adicionada no sistema em: 18/08/2012 05:21