Título: Candidatos na gôndola
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/08/2012, Notas e informações, p. A3

Com o início do horário eleitoral gratuito, hoje, começa para valer a campanha pela Prefeitura de São Paulo. Os muito bem remunerados marqueteiros a serviço dos principais candidatos apostam nisso para consolidar ou reverter intenções de voto, porque sabem que eleição, há muito tempo, não é mais disputada em palanques nem em debates públicos. O confronto de plataformas - e a troca de agressões - se dá por meio de dispendiosas peças publicitárias, que vendem postulantes como se fossem molho de tomate. Vence quem brilha mais na gôndola. Não é por outra razão que cerca de 70% do orçamento de campanha dos candidatos à Prefeitura paulistana é destinado a essa despesa.

A propaganda eleitoral gratuita - que será veiculada de segunda a sábado, até o dia 4 de outubro, três dias antes do primeiro turno - está prevista na Lei dos Partidos Políticos (Lei n.º 9.096/1995). A obrigatoriedade de transmissão envolve as emissoras de rádio, inclusive as rádios comunitárias, e as emissoras de televisão que operam em VHF e UHF e os canais de TV por assinatura sob a responsabilidade das Câmaras Municipais. Eles devem levar as peças ao ar em cadeia - ou seja, ao telespectador ou ouvinte que não quiser ser incomodado pela propaganda não resta muito a fazer a não ser desligar seu aparelho. Não é possível dizer que se trata de algo democrático - assim como nada tem de democrática a Lei 9.504/97, que em seu artigo 46 obriga as emissoras de TV que organizam debates a convidar todos os candidatos, mesmo aqueles que obviamente não têm nenhuma representatividade. Ou seja, a legislação eleitoral brasileira - aquela do voto obrigatório - ainda trata o eleitor como incapaz.

Além disso, a propaganda está longe de ser gratuita. Ontem, a presidente Dilma Rousseff publicou o Decreto 7.791, no qual, conforme prevê a Lei dos Partidos Políticos, "regulamenta a compensação fiscal" para as emissoras de rádio e TV "obrigadas à divulgação gratuita da propaganda partidária e eleitoral". O prejuízo das emissoras será abatido do Imposto de Renda, de modo que, como de hábito, é o contribuinte que banca a veiculação de uma propaganda pela qual muitas vezes nem está interessado. Na eleição presidencial de 2010, a compensação fiscal para as TVs custou R$ 850 milhões aos cofres públicos.

Essa série de determinações é pitoresca entre as democracias. Nos Estados Unidos, por exemplo, os candidatos que quiserem aparecer na TV têm de comprar o espaço publicitário e não enfrentam limitação de nenhuma espécie. Mesmo em países com legislação que prevê campanha gratuita, como Grã-Bretanha, Itália e França, os postulantes só têm acesso franqueado às emissoras públicas. Ademais, os 130 minutos diários de propaganda eleitoral fazem do Brasil o país recordista em tempo de campanha na TV.

Como apenas 20% dos domicílios brasileiros dispõem de TV por assinatura e, portanto, têm a possibilidade de driblar o horário eleitoral, o efeito da propaganda gratuita por aqui é fulminante. Na eleição municipal de 2008, por exemplo, os então desconhecidos candidatos Marcio Lacerda (PSB), em Belo Horizonte, e João Costa (PT), no Recife, ganharam nove pontos porcentuais, em média, nas pesquisas de intenção de voto feitas após a primeira semana da campanha no rádio e na TV. "É uma avalanche de propaganda capaz de tornar um desconhecido em celebridade em apenas uma semana", disse o cientista político Antonio Lavareda ao jornal Valor (17/8). Como se sabe, é nisso que aposta o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para impulsionar a candidatura do novato Fernando Haddad - Lula, aliás, será o âncora do programa de rádio de seu apadrinhado.

Tudo isso é feito em nome de um processo eleitoral mais "democrático", no sentido de, em tese, permitir que candidatos menos endinheirados possam dispor do palanque eletrônico tanto quanto os postulantes dos partidos mais poderosos. No entanto, como o que importa não é o acesso à TV, mas o tempo de que cada um dispõe para apresentar sua candidatura, a maioria dos partidos prefere entrar em coligação com as maiores legendas, mercadejando seu tempo de TV em troca de favores políticos, ou de outra inconfessável natureza.