Título: Um país sitiado pelo choque de etnias
Autor: Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/09/2012, Economia, p. B4

Disputas de poder entre as mais de 30 etnias da Guiné não raro terminam em mortes

Dois anos depois de eleger seu atual presidente, Alpha Condé, escolhido com 52% dos votos, a República da Guiné - ou Guiné-Conacri, como também é chamado o país africano - vive sitiada pela tensão política e pelos choques entre diferentes etnias que formam o país.

Segmentos da população alegam que o atual chefe de Estado teria fraudado o pleito para superar seu adversário, Cellou Dalein Diallo, nas últimas eleições. O desentendimento político, que persiste, provocou choques entre partidários - até mesmo com mortes - e trocas de acusações afastam governo e oposição.

Por trás das divergências políticas estão questões étnicas complexas. A Guiné é formada por cerca de 40% de africanos da etnia Peuls, a maior do país, acusada de exercer hegemonia econômica sobre as demais. Um dos fundadores do país quando de sua independência da França, em 1958, Sékou Touré, que governou até 1984, chegou a exortar a população a cortar a garganta dos membros da etnia em 1976.

A tensão entre as mais de 30 etnias do país nunca acabou e é uma das explicações para a violência de Zogota no início de agosto. As divergências são a razão pela qual existe uma convenção no país obrigando companhias mineradoras a contratar mão de obra de etnias locais.

A Vale alega contratar mão de obra guineana para seus sítios. Na percepção de comunidades locais, no entanto, as duas maiores etnias da região, Guerzé e Tomas, foram prejudicadas pela empresa.

Fontes da companhia ouvidas pelo Estado afirmam que a mão de obra local não tem a qualificação mínima necessária para alguns postos de trabalho dentro da VBG.

Oposição. Além disso, de acordo com o embaixador do Brasil na Guiné, José Fiúza Neto, há divergências políticas por trás do massacre, porque os governos locais seriam de oposição ao governo central. O diplomata não aceitou entrar em detalhes sobre o tema. "A percepção que temos é de que há uma motivação política de ir contra o governo, e de que a Vale foi vítima nessa história", diz Fiúza Neto. "A empresa sempre adotou o diálogo." Prova do componente político seria o afastamento de prefeitos da região.

Na Guiné, também circulam especulações sobre as disputas entre concorrentes multinacionais na região, o que tornaria o quadro ainda mais confuso e delicado. O embaixador, mais uma vez, não entra em detalhes, mas pondera: "Todas as grandes companhias do setor mundial estão na Guiné. É claro que esse mundo empresarial é muito competitivo".

Contratos. Os incidentes e o massacre em Zogota, entretanto, não abalam a certeza do embaixador de que as empresas brasileiras - além da Vale, a Odebrecht e a OAS têm grandes contratos com o governo - precisa continuar investindo na Guiné.

A Vale não procurou o Itamaraty, nem pediu ajuda à embaixada. Ainda assim, o embaixador brasileiro recebeu a visita de uma comitiva governamental. "Eles isentaram a empresa de qualquer responsabilidade e pediram desculpas pelo ocorrido", disse Fiúza Neto.