Título: ONU exige que a Guiné investigue todos os crimes
Autor: Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/09/2012, Economia, p. B4

Representantes das Nações Unidas estiveram no local e constataram as mortes; entidade defendeu o direito a manifestações pacíficas

A ONU exige das autoridades da Guiné que investiguem, abram processos e levem à Justiça todos os envolvidos nos crimes ocorridos nas terras da Vale em Zogota. O incidente chamou a atenção da ONU que, em telegramas internos, registrou as mortes e indicou preocupação com a violência. Já em um alerta público, fez questão de defender o direito dos manifestantes de expressar suas frustrações de forma pacífica.

Rupert Colville, porta-voz do Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos, confirmou ao Estado que uma equipe das Nações Unidas esteve no local. "Nosso escritório na Guiné tem investigado as circunstâncias relacionadas a essas mortes", confirmou, indicando que um relatório está prestes a ser concluído com uma apuração do incidente e das pessoas envolvidas.

Colville confirmou que o caso eclodiu após um protesto dos moradores de Zogota contra a Vale por causa da política de contratação da empresa. "A queixa é de que a Vale estaria contratando trabalhadores migrantes de outra etnia, e não os moradores locais." Segundo ele, os manifestantes "vandalizaram as instalações da empresa de mineração".

O que causa estranheza na ONU é o fato de que, horas antes do protesto, cinco ministros do governo, incluindo o chanceler, terem visitado o local. Para a entidade, não está clara a relação entre essa visita e as mortes, que teriam ocorrido naquela noite.

A ONU, por enquanto, poupa detalhes sobre o eventual envolvimento da Vale nas mortes e indica que vai esperar a conclusão de seu relatório e da investigação do governo para se pronunciar sobre a empresa brasileira. "Para nós, isso é marginal por enquanto", disse Colville. "Nosso foco é o comportamento das forças de ordem", indicou.

"O governo investiga as mortes e estamos pedindo às autoridades para que garantam que os responsáveis sejam processados e a Justiça seja levada às vítimas", insistiu o porta-voz. "Isso mandaria uma clara mensagem de que as forças de segurança não podem esperar impunidade por violações dos direitos humanos. Forças de ordem precisam respeitar os padrões legais internacionais ao manter a ordem pública", disse, indicando que nem sempre munição deve ser usada para controlar um protesto.

A preocupação não se limita ao caso da Vale. Apenas em agosto, outros dois casos de mortes ocorreram no país, com suspeitas de que o Exército estaria envolvido. Um deles foi no dia 27, com o choque entre forças de ordem e manifestantes na capital. Segundo a ONU, munição foi usada para frear a manifestação.

Para a entidade, a suspeita é de que as mortes são mais um sinal da situação delicada do país. "Diante do clima político tenso no país, pedimos a todos que se limitem em suas reações. Manifestantes devem ser autorizados a usar seu direito de se manifestar de forma pacífica e forças de ordem devem aplicar a lei e garantir a ordem de maneira apropriada", pediu Colville.

Em documentos obtidos pelo Estado, a ONU já alertava em 2011 para a onda de massacres cometidos pelo Exército e denunciava a "impunidade" nas Forças Armadas. O próprio Tribunal Penal Internacional já investigou o país em 2010 pela violência das forças de ordem em um momento político marcado pela tensão e por eleições.

No ano passado, a ONU publicou um vasto documento realizado com base nas investigações no local que mostrou prática de violações aos direitos humanos cometidas por forças de segurança contra a população. A investigação foi realizada depois que o Conselho de Direitos Humanos da ONU votou uma resolução pedindo esclarecimentos sobre a situação no país, principalmente depois da violência na Guiné durante as eleições de 2010.

Mas o que a investigação mostrou foi um cenário de violações que vão além do período ou da lógica eleitoral. "A falta de disciplina nas Forças Armadas e abusos das forças de segurança têm sido uma ameaça na Guiné", aponta o levantamento. "As Forças Armadas têm se envolvido em abusos sérios de direitos humanos na tentativa de lidar com protestos públicos, como em junho de 2006, janeiro e fevereiro de 2007 e setembro de 2009." Só em 2007, a guarda presidencial teria assassinado 226 pessoas, segundo o documento.