Título: Indústria vai sobreviver, mas não setores inteiros
Autor: Gerbelli, Luiz Guilherme
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/09/2012, Economia, p. B6

Para economista, empresas brasileiras não têm saída a não ser buscar a modernização para ganhar competitividade

A indústria nacional será obrigada a atuar em cadeia para conquistar o mercado interno, e assim compensar perdas de espaço no exterior e enfrentar a competição com produtos importados, defende o coordenador do grupo de Indústria do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), David Kupfer. Como assessor de Luciano Coutinho na condução do BNDES, o economista é um nome influente nas decisões da equipe econômica.

Para ele, a parcela exportadora da indústria nacional e o grupo atingido pela concorrência com os importados são os que mais sofrem os efeitos da crise na Europa e nos EUA. Para esses segmentos, não há solução em política pública capaz de evitar um processo de reestruturação, do qual nem todas as empresas sairão ilesas. Quando indagado sobre a sobrevivência da indústria nacional após a crise, ele não deixa dúvidas: "Tenho a convicção de que sobrevive todo mundo, mas não setores inteiros". A seguir, os principais trechos da entrevista:

O mercado externo deixou de ser o foco da indústria brasileira?

A expansão para o mercado internacional aconteceu para os produtos mais básicos da indústria brasileira. Essa sempre foi a via fácil de penetração no exterior. Nossas empresas fizeram a opção por uma estratégia que imaginavam ser de alta rentabilidade com menos risco e menos dificuldade tecnológica e comercial. Quando o mercado reverteu, obviamente essas empresas ficaram em uma situação competitiva muito precária, porque não têm tecnologia, controle dos sistemas de distribuição, nem muita capacidade de se proteger na fase de reversão.

A solução, então, não vem a curto prazo?

A indústria naval brasileira, por exemplo, é obrigada a usar aço importado. Antes, a sensação era de que a siderurgia brasileira não tinha interesse em fornecer para a indústria naval. Agora, vai ter de pegar esse mercado, porque não há grande demanda internacional. Só que a siderurgia vai ter de conquistar esse mercado produzindo com custos mais baixos. Teria sido mais efetiva uma estratégia mais agressiva no passado, com boas condições de investimento, do que agora. Investir numa situação de mercado retraído é mais difícil, mas não vejo outra saída.

O desafio é meramente de ganho de competitividade?

Há uma parcela da indústria com problemas graves de competitividade. Não podemos generalizar. Não estão bem os segmentos têxtil, de vestuários, de calçados, de móveis e de artigos de metal. Este segmento da indústria tradicional, que é mais comercializável, está muito mal, porque está com custos altos e produtos ruins comparativamente aos internacionais. É um segmento que vai precisar passar por uma modernização importante.

Que tipo de modernização?

Nas médias e grandes empresas, os processos produtivos estão relativamente modernos, mas não a gestão, a integração com o mercado e o uso das ferramentas comerciais ligadas à internet. A gente se atrasou muito em tecnologia da informação. Teremos de fazer grande esforço para que esse grupo de indústrias tenha capacidade de competir com a produção internacional. Não é nem visando à exportação, mas, principalmente, competitividade no mercado interno.

Quem sobreviverá?

Tenho a convicção de que sobrevive todo mundo, mas não setores inteiros. Não vou imaginar que vou ter setor têxtil puramente exportador. A gente vai ter um setor têxtil com importação, com exportação, com empresas que vendem somente no exterior, empresas brasileiras com filial no exterior, estrangeiras com filial no Brasil. É uma formação industrial muito mais internacionalizada, no sentido de internacionalização do capital e da produção.

Internacionalização em um momento de crise?

É por isso mesmo. A gente quer, em um momento de acirramento competitivo, que o estrangeiro compre algo produzido no Brasil. O estrangeiro quer comprar algo muito bom e barato. Em geral, não vai ser o Brasil a oferecer essas condições. Mas, se uma parte da atividade produtiva for feita no país comprador, aumenta o interesse pelo produto brasileiro.

A Europa continua sendo um foco comercial?

Para a Europa é mais difícil, mas a América do Sul e a África são opções.

Qual o limite da demanda no mercado interno?

Não vejo uma limitação de demanda, mas de infraestrutura para o consumo de bens. Existe, por exemplo, um déficit de habitação tão grande que só a sua mitigação garante o dinamismo para esse setor por muito tempo. A taxa de motorização brasileira é muito baixa. A melhoria das condições de transporte público não elimina o interesse pelo automóvel. Elimina o uso diário de automóveis, mas as famílias continuarão tendo automóvel.

O crescimento do consumo das famílias pode implicar na expansão do setor de serviços em detrimento da indústria?

Não tenho essa percepção. O problema do setor de serviços é o grande número de empregos precários. Melhorou muito, mas ainda é um grande problema. Tirar um trabalhador da indústria para colocar em um serviço de alto valor melhora a economia. Mas a tendência é de mais informatização, particularmente, no pós-venda. Isso vai tirar emprego, principalmente, no comércio. E esse trabalhador não vai para a indústria.

O BNDES tem condições de, sozinho, financiar os investimentos necessários às mudanças estruturais da economia?

Investimento só existe quando há perspectivas favoráveis de retorno e condições concretas de realização do investimento. Portanto, são necessários dinheiro e tecnologia. Acredito que o Brasil não tem problema de escassez de capital do ponto de vista agregado. O problema é fazer o capital fluir. Tem muito capital entesourado no Brasil, em atividades não produtivas, que pode fluir para a atividade produtiva. O BNDES tem limites. Então, mais cedo ou mais tarde, o financiamento privado vai ter de surgir. Quando voltarmos para um mundo financeiro relativamente normal, no qual a rentabilidade é oposta à liquidez, encontraremos atratividade no financiamento à atividade produtiva.