Título: Plano de BCE traz alívio à crise do euro
Autor: Netto, Andrei
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/09/2012, Economia, p. B6

Draghi anuncia plano de compra sem limites de títulos de países endividados, mas governos terão de pedir socorro à Bruxelas e ao FMI

A União Europeia conta desde ontem com mais uma arma na luta contra a crise das dívidas soberanas, que abala o bloco há quase três anos. O presidente do Banco Central Europeu (BCE), Mario Draghi, anunciou, em Frankfurt, a criação de um novo programa de compra de dívidas públicas. Para serem beneficiados, porém, os países precisarão primeiro solicitar socorro a Bruxelas e ao Fundo Monetário Internacional (FMI) - o que na prática significa mergulhar em políticas de austeridade fiscal.

A criação do Outright Monetary Transactions (OMT), o plano de compra de dívida, já era esperado desde o início de agosto, quando Draghi havia anunciado ser necessário tomar "medidas excepcionais, quando os mercados estão fragmentados e influenciados por temores irracionais". Mas, até aqui, suas condições de implementação eram desconhecidas. Ontem, em pronunciamento seguido de uma concorrida entrevista coletiva de uma hora, Draghi expôs as condições. E elas serão duras.

A instituição só comprará títulos de países que já tiverem solicitado socorro ao atual Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (Feef) ou ao futuro Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE). Na prática, isso significa que Grécia, Irlanda e Portugal podem ser beneficiados, mas que Espanha e Itália primeiro terão de pedir resgate para depois tirarem proveito do programa. Até aqui, tanto o governo espanhol de Mariano Rajoy, quanto o italiano de Mario Monti não aceitam essa hipótese, porque a intervenção de Bruxelas e do FMI significa também um mergulho profundo nas reformas estruturais e nos planos de austeridade fiscal, a exemplo da Grécia.

Além disso, como exigem as normas do banco, a intervenção só poderá acontecer no mercado secundário - ou seja, o banco não poderá comprar títulos diretamente dos países, e sim dos investidores privados. O OMT será limitado a obrigações com validade de um a três anos, o que exclui os papéis de referência do mercado, os com maturidade de 10 anos.

A boa notícia é que o BCE não vai fixar "limite quantitativo" ao programa, uma forma de desestimular a especulação e transmitir segurança aos mercados.

Se em tese beneficia os países da zona do euro, para o banco central o programa pode causar prejuízo. Isso porque Draghi abriu mão da condição de "credor privilegiado" que o BCE desfrutava até aqui. Trocando em miúdos, o banco correrá risco de ver os títulos adquiridos desvalorizados com o passar do tempo, como aconteceu com as obrigações emitidas pela Grécia no início de 2012.

Para Draghi, a iniciativa era necessária para reduzir as distorções dos mercados de obrigações, que prejudicavam a Espanha e a Itália com juros desproporcionais à solidez dos dois países. "O BCE decidiu lançar um novo programa de compra de obrigações com o objetivo de fazer baixar os custos de financiamento dos países da zona do euro em dificuldade, assim como para dar segurança aos investidores sobre o fato de que o euro é irreversível."

O executivo italiano afirmou ainda que seu objetivo é lutar contra "cenários potencialmente destruidores", mas que nem por isso sai do mandato do banco. Draghi ressaltou ainda que o BCE perseguirá uma taxa de inflação "inferior a 2% em médio prazo". Para tanto, a taxa básica de juros foi mantida inalterada.

Mercados. Logo após os anúncios, o euro subiu ligeiramente frente ao dólar, chegando a 1,2652 - sua maior cotação desde 2 de julho -, contra 1,2620. Nas bolsas de valores, a repercussão da iniciativa não poderia ter sido melhor. A alta foi mais pronunciada nos países em crise, caso do IBEX 35, de Madri, que subiu 4,91%, e do MIB, de Milão, cuja elevação foi de 4,31%.

Nos Estados Unidos, o índice S&P saltou 2%, atingindo o maior nível em pontos desde janeiro de 2008.

Político. Já no mundo político, a repercussão não foi sempre positiva. Em viagem a Madri, onde se encontrou com Rajoy, a chanceler da Alemanha, Angela Merkel, demonstrou pouco entusiasmo com a medida, que não agradava os setores liberais de seu governo. Merkel se limitou a elogiar a independência do BCE e o fato de o plano fazer parte de suas atribuições legais. "O banco central é responsável pela estabilidade, pelo valor da moeda, e é ele que toma as decisões oportunas."

Em Berlim, o ministro de Economia, Philipp Roesler, demonstrou ceticismo sobre as intervenções. "O mais importante é impor condições às compras de títulos e deixar claro o mais rápido possível a exata natureza dessas condições para cada país."