Título: Alerta de tsunami monetário
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Fonte: O Estado de São Paulo, 14/09/2012, Notas e informações, p. A3

Centenas de bilhões de dólares poderão inundar os mercados financeiros nos próximos meses, causando novos e perigosos desajustes cambiais, se o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) prolongar a nova rodada de afrouxamento monetário anunciada nesta quinta-feira. Na rodada anterior, descrita pela presidente Dilma Rousseff como um tsunami, cerca de US$ 600 bilhões foram lançados em circulação, depreciando a moeda americana e provocando a valorização das moedas de vários países emergentes, incluído o Brasil. Uma das consequências para esses países foi o encarecimento de seus produtos no mercado internacional e o barateamento de suas importações, com graves prejuízos para grande parte de suas indústrias. Agora, como nas ocasiões anteriores, a decisão de emitir grande volume de dinheiro foi justificada com o objetivo de impulsionar o crescimento da economia americana e a redução do desemprego, atualmente estimado em 8,1% da força de trabalho.

O Comitê de Mercado Aberto do Fed, responsável pela política monetária, decidiu manter os juros básicos na faixa de zero a 0,25% ao ano até a metade de 2015. Além disso, resolveu manter até o fim do ano a política de alongamento de prazo dos papéis públicos em circulação no mercado, num programa lançado em junho e conhecido como Operação Twist. A novidade de maior impacto, esperada há alguns meses, foi a decisão de comprar US$ 40 bilhões por mês de papéis de agências oficiais lastreados em hipotecas.

As operações anteriores de relaxamento monetário (quantitative easing), conhecidas como QE1 e QE2, envolveram só a compra de bônus do Tesouro e foram lançadas com indicação de prazo. Não há previsão de prazo para a recém-anunciada QE3. As compras devem começar nesta sexta-feira, envolvendo aproximadamente US$ 23 bilhões até o fim do mês. Se o programa for mantido - por hipótese - até o fim do próximo ano, cerca de US$ 620 bilhões serão lançados no sistema financeiro.

A decisão de manter os juros perto de zero até o meio de 2015 reflete uma avaliação sombria do cenário americano. Segundo os dirigentes do Fed, a recuperação da atividade é muito lenta. As estimativas tomadas como referência são de crescimento econômico entre 1,7% e 2% neste ano e na faixa de 2,5% a 3% em 2013, mas com desemprego ainda igual ou superior a 8% da população ativa no próximo ano. A situação do emprego continua sendo uma "grave preocupação", disse o presidente do Fed, Ben Bernanke, depois da reunião do Comitê Federal de Mercado Aberto, responsável pela política de crédito e de juros.

Mas a política monetária, lembrou Bernanke, é incapaz de resolver todos os problemas da economia. Nesse ponto, ele apenas repetiu um comentário formulado várias vezes. Segundo o presidente do Fed, seria preciso dar mais peso à política fiscal no esforço de reativação da economia e de criação de empregos.

Seria preciso, de acordo com seu argumento, mudar o roteiro do ajuste das contas públicas, deixando mais espaço para estímulos no curto prazo e jogando para a frente o esforço mais pesado. O próprio crescimento da produção e dos negócios acabaria facilitando a redução do déficit e o controle da dívida federal.

A política fiscal, no entanto, é limitada por divergências políticas. O presidente Barack Obama conseguiu negociar a elevação do teto de endividamento público e evitar um desastre financeiro, mas o conflito permanece e pode afetar o próximo ano fiscal.

Se a oposição conseguir manter os benefícios fiscais restritos aos ricos, impedir a renovação de estímulos à classe média e forçar um ajuste brutal no orçamento, o resultado será provavelmente um novo mergulho na recessão. Sem entrar nos detalhes da briga entre partidos, Bernanke advertiu: o Fed será impotente para neutralizar os efeitos de um impasse fiscal.

Também para o Brasil seria muito melhor a solução do impasse, em favor de uma política mais suave de ajuste a curto prazo. Todo o mundo seria beneficiado por uma recuperação mais rápida da maior economia do mundo e o tsunami monetário seria substituído, então sim, por uma marolinha.