Título: OEA teme fuga bolivariana de órgão
Autor: Marin, Denise Chrispim
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/09/2012, Internacional, p. A13

Decisão de Chávez de deixar a Convenção Interamericana de Direitos Humanos pode levar países aliados a seguirem o mesmo caminho.

A decisão da Venezuela de retirar-se da Convenção Interamericana de Direitos Humanos despertou em organizações internacionais e em analistas o temor de que outros países das Américas, sobretudo os engajados no movimento bolivariano, sigam o mesmo caminho.

Para autoridades da ONU e da Organização dos Estados Americanos (OEA), a retirada significativa de membros ameaçaria o sistema de proteção aos direitos humanos criado sob as regras da convenção - o chamado Pacto de San José, de 1968.

O governo do presidente venezuelano, Hugo Chávez, informou a OEA sobre sua decisão no domingo. A retirada, conforme o Artigo 78 da convenção, vai se tornar efetiva apenas após um ano. Até 9 de setembro de 2013, a Venezuela continuará sujeita a potenciais investigações e julgamentos dos dois braços efetivos do Pacto de San José, a Comissão e a Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Em nota, o secretário-geral da OEA, José Miguel Insulza, lamentou a iniciativa de Caracas de retirar-se de "um dos pilares da normativa legal que ampara a defesa dos direitos humanos no continente" e ressaltou sua esperança de ver a decisão reconsiderada por Caracas. Em Genebra, a comissária da ONU para Direitos Humanos, Navi Pillay, também apelou para que a Venezuela reconsidere a decisão.

"Mecanismos regionais fortes têm papel-chave no reforço do sistema internacional de direitos humanos. Minha preocupação está menos nesses organismos e mais nas pessoas cujos direitos humanos serão afetados", afirmou. "Temo que uma camada vital da proteção aos direitos humanos dos venezuelanos - e de outros latino-americanos - seja arrancada se essa decisão for levada adiante. Eles ficarão mais vulneráveis aos abusos e com menos instrumentos disponíveis para remediá-los."

Segundo Peter Hakim, presidente honorário do centro de estudos Diálogo Interamericano, a decisão da Venezuela comprova o distanciamento de seu governo dos princípios democráticos e seu desinteresse pelos instrumentos de direitos humanos.

Caracas tem mantido uma posição "hipócrita" ao considerar-se uma democracia apenas por ter um presidente eleito e ao recusar uma observação mais próxima das denúncias de violação local dos direitos humanos, avalia Hakim. "Curiosamente, a Venezuela não quer mais participar de uma comunidade à qual os Estados Unidos e o Canadá jamais se incorporaram", afirmou, ao referir-se ao fato de Washington e Toronto não terem ratificado o Pacto de San José.

Em Bogotá, capital colombiana, sem mencionar o caso, um grupo de militantes de direitos humanos firmou uma declaração em favor do Sistema de Interamericano de Direitos Humanos. "O SIDH está em perigo. Alguns governos têm questionado as competências, as faculdades, os procedimentos, as práticas e as decisões da Comissão e da Corte Interamericanas de Direitos Humanos. Se é necessário aprofundar a efetividade e o alcance do sistema, no debate que se desenvolve na OEA é manifesta a intenção de alguns Estados de limitar a capacidade e diminuir as atribuições da Comissão Interamericana de Direitos Humanos", diz a declaração, firmada, entre outros, pelos ex-presidentes colombianos Andrés Pastrana e Rodrigo Borja, pelo Prêmio Nobel argentino Adolfo Pérez Esquivel e pelos juristas brasileiros Fábio Konder Comparato e Hélio Bicudo.

Embora os EUA não tenham ratificado a convenção, o Departamento de Estado afirmou ontem considerá-la de "grande valor". "A comunidade interamericana é melhor em razão dela. A decisão da Venezuela de denunciá-la é infeliz. Ecoamos a esperança do secretário-geral Insulza de que Caracas reconsidere a ação", disse um porta-voz da diplomacia americana ao Estado.