Título: Protestos islâmicos deixam 19 mortos no Paquistão e põem Ocidente em alerta
Autor: Netto, Andrei
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/09/2012, Internacional, p. A14

Onda de violência. Polícia abre fogo contra manifestantes nas cidades de Peshawar e Karachi, provocando ferimentos em 200 pessoas; de escolas a embaixadas, alvos franceses no mundo muçulmano estão sob forte esquema de segurança após charges do profeta

Tropas de elite, arames farpados e até tanques de guerra protegeram ontem embaixadas, consulados, escolas e centros culturais da França e dos EUA em cerca de 20 países do mundo árabe-muçulmano. A mobilização teve como objetivo evitar manifestações violentas contra o Ocidente em razão do filme Inocência dos Muçulmanos e das charges do semanário Charlie Hebdo, que ridicularizavam Maomé.

O reforço de segurança não foi suficiente no Paquistão, onde 19 pessoas morreram e centenas ficaram feridas em atos de vandalismo na capital e no interior. O temor do Ocidente era de que incidentes voltassem a ocorrer, dez dias após o início da onda de protestos antiamericanos no Egito e na Líbia que resultaram na morte do embaixador dos EUA em Trípoli, Christopher Stevens. Por precaução, o governo da França havia orientado suas representações no exterior que fechassem as suas portas ontem, dia de descanso e oração dos muçulmanos, instrução que acabou parcialmente seguida por países como EUA, Alemanha e Espanha.

As manifestações mais intensas começaram de manhã nas cidades paquistanesas de Islamabad, Karachi e Peshawar, onde jovens, muitos dos quais armados de porretes e pedras, enfrentaram a polícia e invadiram prédios públicos e cinemas. Em resposta, a polícia abriu fogo contra os manifestantes. Até o final da tarde, o balanço de vítimas não parava de crescer, chegando a 19 mortos - 10 deles em Karachi.

Mais de 200 pessoas teriam ficado feridas. Ainda ontem, o chefe de polícia de Peshawar, Imtiaz Iltaf, assegurou que os autores das mortes serão presos e levados à Justiça. "Não pedimos a ninguém que abrisse fogo nos manifestantes, mas a polícia também foi alvo de tiros", argumentou, reiterando: "Todo policial que atirou enfrentará a Justiça".

Na quinta-feira, o governo dos EUA tinha divulgado comerciais na televisão paquistanesa pedindo calma frente ao filme Inocência dos Muçulmanos.

Além do Paquistão, protestos - a maior parte pacíficos - ocorreram na Tunísia, no Egito, na Índia, em Bangladesh, no Iêmen, no Líbano, no Iraque, no Marrocos e até na Grã-Bretanha e na Alemanha. Em Túnis, a embaixada da França foi isolada com arame farpado e protegida por centenas de policiais e até por um tanque. A tensão levou Rached Ghannouchi, chefe do partido islâmico Ennahda - o maior da base de sustentação do governo -, a denunciar os salafistas como "um perigo" para o país. O porta-voz do governo, Samir Dilou, reconheceu que a política de diálogo não funcionou com os extremistas. "A partir de agora, é tolerância zero", disse.

Em Paris, onde os protestos estão proibidos pelo Ministério do Interior, o ministro das Relações Exteriores, Laurent Fabius, informou que as medidas de segurança adotadas por embaixadas, consulados e escolas francesas no exterior ontem serão mantidas hoje e amanhã. "Não houve manifestações maciças contra a França, mas é preciso permanecer vigilante", justificou.

Ao longo de todo o dia, autoridades islâmicas pediram aos muçulmanos franceses que não se manifestem contra as charges de Charlie Hebdo hoje. Na Grande Mesquita de Paris, onde o Estado esteve ontem, o reitor Dalil Boubakeur enviou uma mensagem de paz aos fiéis durante a oração. Ao mesmo tempo, a extrema direita da França aproveitou para lançar uma proposta polêmica: a proibição do uso em lugares públicos de véus islâmicos e do quipá - usado na cabeça pelos judeus como prova de temor a Deus. A proposta foi feita pela líder da Frente Nacional, Marine Le Pen, e foi prontamente rejeitada pelo presidente François Hollande e pela oposição.