Título: Desdém pelos trabalhadores
Autor: Krugman, Paul
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/09/2012, Internacional, p. A18

Declaração de Romney mostra que Partido Republicano tornou-se legenda dos ricos, pelos ricos e para os ricos

A gora, todos sabem como Mitt Romney, ao discursar para doadores em Boca Raton, na Flórida, lavou suas mãos com relação a quase metade do país - os 47% que não pagam imposto de renda -, quando declarou que "meu trabalho não é me preocupar com essas pessoas". "Jamais as convencerei de que devem assumir uma responsabilidade pessoal e cuidar da sua vida", disse. Agora também, muitas pessoas estão cientes de que grande parte dos 47% dificilmente não é parasita. Muitos são pais e mães de família que trabalham e pagam imposto de renda na fonte e, o restante, na maior parte, são americanos idosos ou incapacitados.

Eis uma pergunta: devemos imaginar que Romney e seu partido avaliariam melhor os 47% se soubessem que a maior parte são ou foram trabalhadores dedicados que assumiram, e muito, a responsabilidade por sua vida? A resposta é não.

O fato é que o moderno Partido Republicano não tem muito respeito pelas pessoas que trabalham para outros, não importa o quão bem e diligentemente realizem seu trabalho. Toda a afeição do partido é reservada para os "criadores de emprego", ou seja, empregadores e investidores.

Figuras proeminentes do partido acham mesmo difícil fingir que têm alguma consideração pelas famílias trabalhadoras que, não é preciso dizer, compõem a vasta maioria dos americanos.

Estou exagerando? Reflita sobre a mensagem no Twitter postada por Eric Cantor, líder da maioria republicana na Câmara dos Deputados, no Dia do Trabalho - feriado que festeja os trabalhadores dos EUA. Eis o que ele disse: "Hoje, festejamos aqueles que assumiram riscos, trabalharam duro, criaram uma empresa e alcançaram seu próprio sucesso". Sim, no dia reservado para homenagear os trabalhadores, tudo o que Cantor fez foi homenagear seus patrões.

Desprezo. Para que você não pense que foi apenas um deslize pessoal, analise o discurso de Romney na convenção republicana. O que ele disse sobre os trabalhadores americanos? Na verdade, nada. As palavras "trabalhador" ou "trabalhadores" jamais passaram por sua boca. Um forte contraste com o discurso do presidente Barack Obama na convenção democrata, quando colocou muita ênfase nos trabalhadores, destacando especialmente aqueles que se beneficiaram da ajuda do governo ao setor automotivo.

Quando Romney ficou mais efusivo ao falar das oportunidades que os EUA propiciaram aos imigrantes, afirmou que eles foram para os EUA em busca "de liberdade para criar uma empresa". E o que dizer dos que foram não para fundar empresas, mas simplesmente para ganhar a vida honestamente?

Não é preciso dizer que o desdém do Partido Republicano pelos trabalhadores é mais penetrante do que sua retórica. Está profundamente inserido nas prioridades políticas do partido. Os comentários de Romney refletem uma crença generalizada da direita de que os impostos pagos pelos americanos que trabalham são muito baixos. Na verdade, o The Wall Street Journal chegou a qualificar os trabalhadores de baixa renda, cujos salários caíram abaixo do teto para pagar imposto de renda, de "sortudos".

O que precisa ser cortado de fato, acredita a direita, são os impostos sobre os lucros das empresas, os ganhos de capital, dividendos e os salários muito altos.

Ou seja, os impostos devidos por investidores e executivos, não os devidos pelos trabalhadores comuns. Isso apesar do fato de que essas pessoas, cuja renda deriva de investimentos e não de salários - pessoas como Willard Mitt Romney, por exemplo - já pagam surpreendentemente pouco em impostos.

De onde vem esse desprezo pelos trabalhadores? Em parte, ele reflete a influência do dinheiro na política: doadores ricos, como aqueles para os quais Romney estava falando quando se referiu à metade do país, não dependem exclusivamente do salário. No entanto, mostra também até que ponto o Partido Republicano é dominado por uma visão de Ayn Rand da sociedade, em que um punhado de empresários heroicos é responsável por todo o bem econômico, enquanto o restante segue ao sabor da corrente.

Atraso. Aos olhos daqueles que compartilham dessa opinião, os ricos merecem um tratamento especial, não só na forma de impostos baixos. Eles merecem respeito, na verdade deferência, sempre. Por isso, a mais leve sugestão do presidente de que os ricos podem não ser tudo isso - que alguns banqueiros podem ter se comportado mal ou que até os "criadores de emprego" dependem de infraestrutura governamental - provoca gritos frenéticos de que Obama é um socialista.

Agora, esses sentimentos não são novos. No passado, contudo, mesmo os políticos republicanos que em privado compartilhavam do desdém da elite pelas massas sabiam o suficiente para guardar o sentimento para si mesmos e conseguiam fingir alguma apreciação pelos trabalhadores comuns.

Hoje, contudo, o desprezo do partido pela classe trabalhadora, aparentemente, é total e profundo demais para ocultar. O que as pessoas estão agora chamando de "Momento Boca" não foi uma gafe comum. Foi uma janela para as verdadeiras atitudes do que se tornou um partido dos ricos, pelos ricos e para os ricos. Um partido que considera o resto indigno até mesmo de um simulacro de respeito. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO