Título: Não sairemos da crise por meio do protecionismo
Autor: Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/10/2012, Economia, p. B9

Comissário europeu, que visita esta semana o Brasil, diz que "guerra das moedas" não convém a ninguém

Artífice da união bancária na Europa, o comissário Michel Barnier admite que a reforma do sistema financeiro internacional ainda não foi concluída e que as mudanças propostas na Europa para lidar com a crise do euro poderão levar até 2014 para serem implementadas. Em entrevista ao Estado, Barnier avalia que a Europa passa por uma correção importante de rumo e estima que, apesar do descontentamento entre as populações afetadas pela austeridade, chegou o momento de a sociedade europeia lidar com sua dívida e deixar de viver além de suas capacidades.

Nesta semana, Barnier desembarca no Brasil para reuniões com a equipe econômica do governo. E chega com uma mensagem clara: que o protecionismo não é remédio para a crise e que a "guerra das moedas" não convém a ninguém. Brasília tem criticado as ações do Banco Central Europeu por injetar recursos na economia, alegando que isso tem prejudicando a competitividade das exportações nacionais pelo impacto desse fluxo na valorização do real.

Barnier é considerado uma das principais vozes da direita pró-europeia. Foi ministro de Relações Exteriores, da Agricultura e do Meio Ambiente na França. Hoje, é o comissário europeu para Mercado Interno e Serviços, uma espécie de superministro da Europa que ganhou nos últimos anos a função de realizar uma das maiores reformas da história do bloco: criar uma união bancária, um monitoramento dos 6 mil bancos do continente e reformar o sistema para impedir que a crise volte a afetar os bancos locais. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Qual objetivo de sua visita ao Brasil?

O Brasil é hoje um dos grandes atores globais e tem um lugar importante no G-20 e no coração da América Latina. Sou encarregado dos serviços financeiros e busco ter um diálogo com nossos principais parceiros para debater a governança da crise, que já dura quatro anos. Quero explicar o que a Europa está fazendo. Nos últimos três anos, a Europa fez muito em termos de regulação de seus bancos e do setor financeiro. Adotamos 29 novas leis de reformas financeiras de supervisão e que serão implementadas nos próximos meses e anos.

Uma das suas bandeiras é a abertura dos mercados de licitação pública. O sr. vai levar esse pedido de abertura ao Brasil?

Discutimos com todos uma abertura recíproca. Na Europa, sou eu quem se ocupa do Acordo de Compras Governamentais da OMC. O Brasil não faz parte, assim como a China está fora. Mas queremos que o Brasil passe a fazer parte desse entendimento.

Mas existe uma preocupação no Brasil de que uma maior abertura do mercado de licitações públicas permitiria uma entrada forte das empresas europeias e que empresas nacionais não teriam como competir. O que o Brasil ganha abrindo seu mercado?

O benefício vem no comércio. Os europeus também têm a mesma preocupação com a questão agrícola do Mercosul e uma abertura muito rápida do mercado europeu. Temos de ir além do medo e ver onde podemos ganhar de forma recíproca. A UE é um mercado de 500 milhões de consumidores e, se a abertura é recíproca, empresas brasileiras podem exportar com vantagens.

Há reclamações de uma proliferação de medidas protecionistas no Brasil. Como o sr. tem visto isso?

Estamos em uma crise global e temos de administrá-la. No G-20, estamos sentados em torno de uma mesa para promover essa governança global. Não podemos incentivar o protecionismo. Não serão medidas de curto prazo que vão trazer soluções. Estou convencido de que não sairemos dessa crise por meio do protecionismo.

Há ainda no Brasil um debate que ganhou a definição de "Guerra Cambial", cunhada pelo ministro Guido Mantega, que acusa a injeção ilimitada de recursos pelo BCE de estar criando uma situação pouco favorável para a moeda brasileira, que teria de ser defendida. Como o sr. sugere lidar com essa situação?

A crise não será resolvida por medidas protecionistas, sejam elas nacionais ou regionais. Não sairemos dessa situação por meio de uma "guerra de moedas". Temos de estudar e debater o assunto no G-20. Agora, o BCE é independente e tomou medidas para lidar com uma situação das altas taxas de juros que estavam estrangulando países como Espanha e Itália, que estão fazendo grandes esforços.

O Brasil chegou a propor criar um mecanismo na OMC para compensar valorizações abruptas de moedas. O sr. apoia isso?

O que eu defendo é que moedas reflitam os fundamentos das economias. A volatilidade é ruim para o crescimento em todo o mundo.

Depois de quatro anos de crise, o sr. diria que os trabalho de reformar o sistema financeiro e modificar a estrutura da UE está se aproximando de seu fim?

Não. Na Europa já foram propostas umas 30 leis de reforma do sistema financeiro, para garantir que haja maior transparência e responsabilidade dos mercados financeiros. Mas levarão um ano e meio para serem todas implementadas. Além disso, lançamos um projeto para relançar o mercado único europeu, com 50 novas propostas e mais de 100 bilhões em investimentos.

A união bancária é a chance que a Europa tem para sair da crise?

Ela é um dos temas que pode trazer a solução. É um grande projeto, coerente com o projeto de integração da Europa. A pedra fundamental é a criação de uma supervisão europeia para bancos com o BCE com um papel central. Isso será essencial para cortar a ligação viciosa entre a quebra de bancos e gastos públicos cada vez maiores para recapitalizar bancos.