Título: Lei de identidade pode barrar 750 mil eleitores
Autor: Marim, Denise Chrispim
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/09/2012, Internacional, p. A15

De olho na demografia, republicanos aprovam exigência de que eleitor apresente documento

Dorothy Crawford, de 83 anos, esperava havia duas horas no Centro de Emissão de Carteira de Motorista de South Columbus, na Filadélfia, para renovar o documento de identidade. Sua senha mostrava que 120 pessoas estavam na sua frente. Na dúvida, ela caminhou com dificuldade até o guichê para saber se poderia ser atendida. A resposta foi "não" - e sem o novo documento, Dorothy não poderá votar na eleição de 6 de novembro.

Cerca de 750 mil eleitores do Estado da Pensilvânia enfrentam dilema similar ao dessa enfermeira aposentada. Em março, o Congresso estadual aprovou uma lei antifraude que obriga o eleitor a apresentar uma carteira de identidade com foto e prazo de validade em dia para poder votar. O registro de eleitor, segundo a nova lei, não será mais suficiente.

Nos Estados Unidos - onde não existe título de eleitor - há dois documentos que cumprem a função da carteira de identidade (o RG) no Brasil: a carta de motorista ou um documento similar sem custo, que não dá ao portador a habilitação para dirigir veículos.

Neste ano, 25 dos 50 Estados americanos adotaram legislação para obrigar o eleitor a apresentar um documento de identidade com foto ou, pelo menos, um outro uma conta em seu nome. Os Congressos locais, com maioria republicana, alegaram a necessidade de prevenir que outra pessoa se apresente no lugar do eleitor.

No entanto, para várias organizações que brigam na Justiça contra esse tipo de lei, o remédio de última hora contra essa possibilidade de fraude não passa de uma maneira primitiva de impedir eleitores pobres e idosos de votar. Como Dorothy, da Filadélfia.

"Não me lembro de ter faltado a uma eleição. Para mim, votar é um direito sagrado", afirmou ela ao Estado, zelosa do segredo de seu voto em 6 de novembro.

Truque. Na Pensilvânia, a lei sancionada pelo governador, o republicano Tom Corbett, pode ainda ser derrubada na terça-feira, quando um tribunal estadual de primeira instância deverá provar que a legislação não beneficia o eleitor.

Caso contrário, a Corte Suprema estadual deverá revogá-la, em conclusão do processo aberto a pedido da organização de defesa dos direitos civis Advancement Project.

"Estamos confiantes porque nós temos as evidências de que a maioria dos eleitores sem carteira de identidade não terá tempo para tirar a sua e porque o próprio governo estadual admitiu não haver evidência de fraude de identificação do eleitor na Pensilvânia nas últimas eleições", afirmou Richard Robinson, gerente de comunicação da Advancement Project.

"Essa legislação não é correta. Ela é exemplo de manipulação das leis eleitorais por razões políticas. É antidemocrática e antiamericana", prosseguiu Robinson.

Ele alega que a nova lei tem os eleitores negros, latino-americanos, idosos, estudantes e veteranos de guerra como alvos. A maioria desses segmentos é registrada como eleitor democrata e tende a votar pela reeleição do presidente americano, Barack Obama.

No último dia 23 de junho, o líder da maioria republicana na Câmara dos Deputados estadual, Mike Turzai, estampou com clareza que o espírito da lei é prejudicar a votação de Barack Obama.

"A lei que permitirá a Mitt Romney ser eleito na Pensilvânia está aprovada", afirmou ele, em discurso, referindo-se ao candidato de seu partido à Casa Branca.

Turzai tentou consertar sua declaração dois meses depois, ao argumentar sobre a existência de um "histórico de fraudes" nas eleições realizadas até agora na Pensilvânia.

O autor do projeto de lei, deputado estadual Daryl Metcalfe, apresentou como um benefício o fato de as novas regras tirarem o direito de voto de pessoas "preguiçosas".

Em entrevista à Rádio KDKA, na semana passada, Metcalfe repetiu uma polêmica declaração de Romney sobre 47% dos eleitores de Obama, a quem classificara de "dependentes do governo" e "não pagadores de impostos" - cuja divulgação foi considerada um desastre eleitoral até mesmo para os integrantes da campanha de Romney.

"Como Mitt disse, 47% das pessoas (nos EUA) vivem da esmola pública, longe do trabalho duro de seus vizinhos. E nós temos um monte de gente que está com preguiça de se levantar e ir tirar a carteira de identidade", disse Metcalfe. "Se esses indivíduos são preguiçosos demais, o Estado não pode consertar isso", concluiu.