Título: Tensão pré-eleição bolivariana
Autor: Margolis, Mac
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/09/2012, Internacional, p. A17

Pode-se chamá-la de TPEB (tensão pré-eleição bolivariana). A duas semanas do fim da corrida presidencial venezuelana, o frenesi político está em níveis febris. Pudera. A eleição de 7 de outubro, em que o presidente Hugo Chávez testa sua força contra a oposição fortemente repaginada, promete ser um embate histórico para o país e para o continente.

No poder desde 1999, ele enfrenta a prova política da sua vida. Debilitado pelo câncer (que ele alega ter vencido), com crimes violentos em alta e a economia em baixa, Chávez está vulnerável. Pede aos compatriotas que lhe franqueiem mais um mandato para consolidar a revolução bolivariana e completar a transição para o socialismo do século 21, seja lá o que signifique isso. Por via das dúvidas, nos últimos meses, derramou uma dinheirama em programas sociais e vitaminou o Ministério da Comunicação, sempre pronto para difundir as glórias do chavismo.

Enquanto isso, seu rival, o jovem governador Henrique Capriles, da coalizão Mesa da Unidade Democrática, corre sem trégua. Privado dos cofres públicos e da cobertura das emissoras estatais, ele compensa com um corpo a corpo que cruza o país, dos Andes ao Caribe.

Pelas voláteis pesquisas, a corrida está embaralhada. Enquanto algumas dão vantagem folgada ao presidente, outras - Consultores 21, Keller, Varianzas, Eugenio Escuela - apontam Capriles como o provável vencedor. Daí a preocupação da oposição em garantir a integridade da disputa, cujas regras o chavismo calibra como lhe convém. A última mexida: um novíssimo sistema digital de votação, com um polêmico dispositivo de identificação biométrica, introduzido a cinco semanas da eleição.

De relance, a inovação parece louvável. Afinal, foram as urnas eletrônicas que modernizaram o sufrágio brasileiro. Na década passada, enquanto mesários de seções eleitorais dos EUA suaram por dias para decifrar o voto impresso em cédulas de papel, as urnas eletrônicas brasileiras devolveram seus resultados em horas, sem drama nem contestação.

Na Venezuela, toda desconfiança é pouca. Eric Eckvall, experiente analista político americano radicado na Venezuela, faz a seguinte conta. O país tem 19 milhões de eleitores, de 6 a 8,5 milhões deles dependentes do governo, entre funcionários públicos, bolsistas de programas sociais e aspirantes à casa própria grátis. Detalhe: para se credenciar a receber alguma dessas benesses, o cidadão é obrigado a cadastrar a impressão digital.

Com a inflação galopante e a taxa de homicídio nas nuvens, é natural que alguns balancem na hora de votar. Mais ainda se o "patrão" descobrir a traição. Com a nova tecnologia, não seria difícil.

Chama-se Sistema de Autenticação Integral, aparelhagem que liga a urna eletrônica a um leitor de impressões digitais. Ao apresentar-se na sua seção, o eleitor digita seu número de identidade, põe o polegar da mão direita no scanner e, em seguida, aparece seu nome e retrato. Tudo registrado e gravado pela Comissão Nacional Eleitoral, órgão escolhido a dedo pelo líder bolivariano.

Paranoia? A Venezuela já assistiu a essa fita. Foi em 2004, quando o governo de Caracas criou um banco de dados de eleitores que ousaram votar contra o chavismo em referendo nacional. Milhares de venezuelanos perderam o emprego, contratos públicos ou acabaram na lista negra oficial.

Diante do risco, é intrigante o relativo silêncio da oposição. Há quem ache que os rivais de Chávez, há 14 anos sob o jugo bolivariano, calem-se para não espantar ainda mais seus eleitores. Pode ser. O certo é que, mais uma vez, milhões de venezuelanos votarão com um uma mão na urna eletrônica e outra no coração.

* MAC MARGOLIS É COLUNISTA DO ESTADO, CORRESPONDENTE DA NEWSWEEK, EDITA O SITE BRAZILINFOCUS.COM