Título: Não dá ficar pensando em reajuste toda hora
Autor: Landim, Raquel
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/09/2012, Economia, p. B3

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, descartou novos aumentos nos combustíveis no curto prazo para aliviar a situação da Petrobrás. "Esse ano já teve dois reajustes do diesel e da gasolina. Não dá para ficar pensando toda hora em reajuste", disse. Mantega é presidente do conselho de administração da estatal. A seguir trechos da entrevista ao Estado.

O senhor reduziu a sua projeção do PIB para 2%, mais pessimista que os 2,5% do Banco Central. Quais foram os motivos dessa revisão?

É preciso fazer a leitura correta dessa revisão, que contabiliza a média do ano. Somos obrigados a fazer isso no relatório que mandamos para o Congresso e tem implicações orçamentárias. Dá a falsa ideia de que estamos em desaceleração. Em relação a uma estimativa antiga, reduzimos o crescimento. Mas isso não altera a minha projeção de que a economia vai virar o ano crescendo 4%. Quando interpretarem esse dado, não esqueçam da segunda parte.

Por que o senhor avalia que a retomada está garantida?

Temos vários indicadores nessa linha e tomamos medidas para isso. Em termos anualizados o comércio varejista está crescendo 8%. A indústria também deu uma virada e cresceu 0,3%.

Mas é uma recuperação restrita aos setores beneficiados pela queda do IPI.

É por isso que fazemos as reduções de IPI. Tomamos ao mesmo tempo medidas de curto e de longo prazos. Mesmo setores como têxtil e calçados, estão dando sinais de melhora. Isso é reflexo de um câmbio melhor. Os efeitos da queda de juros estão começando e ainda são parciais porque os juros cobrados pelos bancos estão elevados.

Com a recuperação da atividade no ano que vem, e a economia em pleno emprego...

Já sei. Vai falar da inflação

O senhor vê alguma pressão para a inflação em 2013?

Estamos fazendo uma série de desonerações que vão reduzir preços. O corte do IPI reduz preços. Há cinco anos, os preços dos carros novos crescem menos que o IPCA. A redução da tarifa de energia causará uma queda na inflação de 0,5% a 1%. Temos ainda o impacto da desoneração da folha. Além disso, vamos continuar com concorrência internacional por causa da crise. Os países exportadores estão desesperados.

Nesse cenário, há necessidade de alta de juros em 2013?

Não há necessidade de alta de juros. A inflação está sob controle. E, num regime de metas de inflação, você tem que olhar para a inflação. Não pode levar em consideração choque de oferta, que é passageiro. Tivemos uma seca nos Estados Unidos, que elevou os preços dos grãos. Isso afetou um pouco a inflação no Brasil nos últimos meses. Mas não adianta subir juro para diminuir preço nos Estados Unidos.

O mercado de trabalho pressionado pode levar a um repique da inflação?

Os salários crescem menos que a produtividade. Neste momento, isso não está acontecendo por causa da capacidade ociosa das empresas. Mas com o crescimento de volta a 4,5%, que é a velocidade de cruzeiro para a economia brasileira, reduz a capacidade ociosa, aumenta a produtividade e cobre os custos da elevação da mão de obra.

A Petrobrás pediu reajuste de preços de combustível. O governo vai atender?

Já reajustamos os preços duas vezes esse ano. O consumidor não percebeu, porque baixamos a Cide. No passado, a Petrobrás teve preços acima do mercado internacional. A política de preços da estatal é de preços médios. Não dá para ficar toda hora pensando em reajuste. Não sei quando haverá outro. Isso é algo indefinido. A Petrobrás vai ter lucro esse ano, que será de dezenas de milhões de reais. No ano que vem, será ainda maior. Nós temos o pré-sal. O futuro da Petrobrás está garantido.

Nesse momento em que a economia está reagindo, ainda é hora de mais estímulos ao consumo?

Não estamos dando mais estímulos ao consumo. Não vou dizer que acabou, mas estamos dando mais estímulos ao investimento. Os juros para a compra de máquinas estão em 2,5% ao ano. Ou seja, está de graça. Em momentos de crise, a retomada do investimento é defasada. No ano que vem, a economia vai voltar a crescer 4% e o investimento deve avançar o dobro. O investimento ainda é a mola mestra.

O BC cortou as alíquotas dos compulsórios, injetando R$ 30 bilhões na economia. É um incentivo ao consumo?

Não é uma medida voltada para o consumo, mas para reduzir o spread elevado, que é um objetivo prioritário para o governo. Essa medida significa aumentar a liquidez e reduzir o custo da intermediação financeira, o que facilita a redução do spread bancário.

Essa medida está relacionada a solidez do sistema financeiro? Em dois anos, seis bancos quebraram.

Temos um sistema financeiro sólido, bem capitalizado, majoritariamente de grandes bancos, que estão muito bem posicionados. Esses problemas se deram na margem do sistema, sem afetar sua robustez.

O governo pretende fazer mudança no sistema de cobrança de cartões de crédito? Por que a presidente falou sobre isso no Dia da Independência?

Por que os cartões de crédito estão cobrando taxas muito elevadas para o rotativo. Estamos preocupados com os cartões de crédito. E, se nós estamos preocupados, é bom que eles (os bancos) também se preocupem. Temos agido dentro da lei. Desde 2003, não violamos nenhum contrato. Mas o governo gostaria que houvesse uma redução dessas taxas para que o consumidor não fosse penalizado. Hoje temos uma economia com risco menor. Não há justificativa para taxas escorchantes. O cidadão toma crédito e paga 10%, 11% ao mês. Esses disparates têm que desaparecer.

O Federal Reserve (Fed, o banco central americano) anunciou uma injeção de liquidez no mercado. É o recomeço da guerra cambial?

Não é o recomeço, porque nunca cessou. O real é uma das poucas moedas que não está se valorizando. Não vamos deixar o real se valorizar. Há quatro meses o câmbio está acima de R$ 2.

O dólar a R$ 2 é um piso?

Não existe piso. O câmbio vai continuar flutuando, mas esperamos que flutue mais para o lado oposto. Antigamente flutuava em uma direção. Agora ou tem estabilidade ou flutuará na outra direção. Se for necessário, compraremos mais reservas. Se for necessário, vamos tomar medidas. É do interesse da produção brasileira não valorizar a moeda. Temos visto reações positivas, principalmente da indústria, a esse patamar de câmbio mais favorável.

O governo desonerou a folha de pagamentos, reduziu o custo da energia, promoveu privatizações. As reformas param por aqui?

Essas medidas já são suficientes para transformar o Brasil. A redução do custo da energia, por exemplo, viabiliza uma série de setores que estavam começando a balançar. Mas ainda temos várias reformas a fazer. Por exemplo, a nossa estrutura fiscal é deficiente. Temos que aperfeiçoar o ICMS.

O governo elevou a tarifa de importação de 100 produtos e foi acusado de protecionista pelos Estados Unidos. Como o senhor reage a isso?

Quem nos acusa? É cara de pau. É um dos que mais tomaram medidas protecionistas. O Brasil tomou vária medidas liberalizantes. Isso é um argumento político. Nós elevamos a alíquota dentro das margens permitidas na OMC. Não tem protecionismo nenhum.

Mas subiram as tarifas de aço e resina. Como garantir que não vai ter aumento de preço?

Muito simples. Volto atrás. Em relação ao aço, nós fizemos isso várias vezes. Queremos que a indústria de aço continue prosperando no Brasil. Mas teve momentos em que o setor elevou os preços acima do patamar internacional e nós reduzimos a alíquota de importação a zero. Já fizemos e faremos de novo.

O setor têxtil protocolou um pedido de salvaguarda contra importações. O senhor é favorável?

Nós estamos estimulando. A China dá vários subsídios ao setor têxtil e depois destrói a nossa indústria. Se você fosse ministra da Fazenda, deixaria os subsídios destruírem a indústria?

Ministro descarta novos aumentos nos preços dos combustíveis; medida poderia aliviar pressão sobre Petrobrás, mas Mantega diz: "Esse ano já foram 2 reajustes"