Título: Brasil acorda e incomoda
Autor: Tamer, Alberto
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/10/2012, Economia, p. B10

Mais protestos contra a nova política comercial brasileira. Agora está sendo liderado pela União Europeia que não se conforme com as novas regras do setor automotivo e ameaça ir oficialmente à OMC. Não concorda e não aceita porque isso vai prejudicar a sua indústria automobilística. É estranho, porque ela não parou agora, está estagnada há dois anos, não porque exporta menos,, mas porque o mercado interno simplesmente afundou. O escritório de estatística da UE revisou na sexta-feira a previsão de queda do PIB no segundo trimestre, de 0,5% para 0,9%. Um recuo agora generalizado, confirmando a recessão. Não há sinais de saída e o FMI já fala em dez anos para retomar um crescimento sustentável. E se podemos apontar a responsabilidade por isso, não seria as importações, mas a política de austeridade intensificada em plena recessão pelos governos europeus.

Falem com a China.

Não serão as ínfimas exportações do Brasil ou de outros países que vão agravar esse cenário. Se há alguma queixa deveria ser contra a China, que teve um superávit com a Europa de mais de US$ 200 bilhões no ano passado! O nosso com a comunidade nos últimos 12 meses está (acreditem) em US$ 2,4 bilhões. E vem recuando.

O desafio é outro.

Mas números divulgados pela OMC mostram que o desafio da desaceleração do comércio mundial vai além dos desentendimento e confrontos que vemos agora. O risco é outro. A OMC divulgou esta semana dados mostrando que há uma forte e crescente concentração do comércio mundial nos Estados Unidos, na China e na União Europeia. Eles representam quase 45% do comércio mundial estimado pela OMC em US$ 12,7 trilhões. (é oportuno lembrar que o Brasil deve exportar este ano, se houver recuperação no último trimestre, quando muito, US$ 290 bilhões). Qualquer recuperação do comércio e da economia mundial depende deles. São transações bilaterais acima de US$ 200 e US$ 300 bilhões. Por exemplo, no ano passado, as exportações dos EUA para a China chegaram a US$ 103 bilhões, mas as vendas da China para o mercado americano ficaram em nada menos que US$ 399 bilhões. A concentração foi ainda maior no comércio bilateral com a Europa, acima de US$ 500 bilhões. Em resumo, as transações entre esses três parceiros comerciais se situa na casa da centenas de bilhões de dólares. E, lembra a OMC, não estão incluídos aí o comércio intrarregional entre os países da comunidade europeia. Vamos resumir para o leitor que se perdeu em meio aos números. 1 - Brasil exportará US$ 290 bilhões (é bi mesmo); 2 – União Europeia (menos comércio intrarregional) exportará US$ 2.131 tri-lhões (é trilhão mesmo); 2- China, US$ 1,898 trilhão; 3 – Estados Unidos, 1,511 trilhão. Não somos nada, somos anões nesse mercado trilionário e agora todos reclamam quando o governo pretende alterar um pouco esse cenário. O Brasil é “protecionista”. Não são países como Brasil, Argentina, e outros que pesam e podem evitar uma retração ainda maior no comércio mundial – porta por onde entra e sai a recessão. Mesmo assim, eles se queixam...

Mas por quê?

Sim, por que esses protestos contra a tentativa do Brasil de ex-portar mais do que a ninharia de US$ 300 bilhões por ano, e a importar, diga-mos, US$ 270 bilhões mantendo um “superávit” condenável e estigmado de US$ 30 bilhões? No fundo pode-se dizer, eles ocupam espaço no mercado interno, um dos poucos que, mesmo pequeno, tem potencial e ainda cresce. Será? Não é só isso. Há uma outra razão. Eles estão preocupados mesmo porque suas indústrias estão sendo estimuladas a investir no Brasil e em outros mercados mais promissores, como se revela agora no setor automotivo. E as empresas estão vindo, sim. Em 12 meses, os investimentos diretos chegaram a US$ 65,7 bilhões. E isso porque há novos incentivos e condições mais atraentes para produzir aqui. A economia brasileira não está esclerosada, como a europeia. Avança, retrai, se adapta agora às novas circunstâncias, mas há ações, não se acomodou e murchou como na Europa. Nada mais lógico as indústrias virem se instalar aqui.

A resposta.

É o caso agora tumultuado do setor automotivo. Uma gritaria generalizada com as medidas do governo. O ministro Fernando Pimentel foi muito incisivo: o Brasil é o quarto maior mercado do mundo desse setor e o sétimo produtor. A nova política industrial, não só auto-motiva, visa desonerar, atrair investimento, produção, emprego em “todas” os setores da economia. E, apesar das críticas dos EUA e da União Europeia, as empresas estão vindo para o Brasil. No caso automotivo, apenas quatro, Chery, Jac Motors, Nisam e, acreditem, BMW planejam investir US$ 5 bilhões. Outras asiáticas, mais US$ 3,5 bilhões na produção de caminhões. Mantega estima que até 2017 esses investimentos chegarão a R$ 44 bilhões. A Anfavea é mais otimista, falam R$ 60 bilhões. Por quê? Ora, diz a associação, mesmo em 2008, quando a indústria automobilística mundial entrou em crise nos EUA tiveram de ser socorridas às pressas para não falir. No Brasil, ela continuou crescendo. Mas e os protestos? A resposta foi muito clara: as regras da OMC foram rigorosamente respeitadas. Podem gritar que estamos ouvindo e até re-correr à OMC que leva anos para decidir. Enquanto isso, as grandes empresas continuarão instalando fábricas e produzindo no Brasil.