Título: Essa política é uma carroça
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Fonte: O Estado de São Paulo, 05/10/2012, Notas e informações, p. A3

O governo recorre mais uma vez a medidas protecionistas e a benefícios especiais para incentivar o crescimento e a modernização do setor automobilístico, cliente habitual das políticas de estímulos seletivos. O favorecimento é tradicional, mas o tratamento humorístico do assunto é novo. Disso se encarregou o secretário executivo do Ministério do Desenvolvimento, Alessandro Teixeira. Não haverá, segundo ele, aumento de preços para o consumidor. Quem garante? Superprotegida, a indústria já cobra preços absurdos e o risco de concorrência ainda será menor nos próximos tempos. Mas ninguém pode acusar de ingratidão os dirigentes das empresas. Receberam os novos favores com aplausos e promessas de investimentos, como se esperassem a oficialização das medidas para cumprir uma agenda sem novidade, quase sempre negligenciada no País e levada a sério no exterior. Autoridades tentaram justificar o novo pacote com um conjunto variado de objetivos: maior uso de componentes nacionais, mais gastos em pesquisa e desenvolvimento, elevação dos padrões de segurança e economia de combustíveis.

Tradicionalmente um dos setores mais protegidos, a indústria automobilística tem sido mimoseada com favores tributários em mais de uma ocasião, mas continua vendendo no Brasil produtos de qualidade inferior aos fabricados em outros países. São também mais caros e isso se explica apenas em parte pelos pesados impostos. Um dos raros esforços de atualização ocorreu nos anos 90, quando uma limitada abertura de mercado expôs as carroças nacionais a um pouco de concorrência. Foi salutar, mas o governo despreza a lição.

Desta vez há duas diferenças importantes, podem argumentar os ministros da área econômica: os benefícios valerão por tempo limitado e as empresas terão de se ajustar a um cronograma de nacionalização de componentes e de investimentos. Quem descumprir as condições perderá as vantagens fiscais e a proteção contra os concorrentes de fora. Mas a concorrência será, de toda forma, limitada pelo aumento do IPI. Além do mais, falta ver como será controlado o cumprimento das condições fixadas pelo governo. A experiência brasileira é pouco animadora: a indústria geralmente impõe suas razões no acerto de contas.

Mas todas essas questões seriam irrelevantes, se os formuladores da política, pelo menos por alguns momentos, fechassem os ouvidos ao lobby do setor automobilístico e refletissem sobre algumas perguntas simples. Por exemplo: por que a indústria produz veículos melhores e mais baratos em outros países, incluídos alguns, como a Coreia, de desenvolvimento recente? Será porque os fabricantes são beneficiados por pacotes semelhantes ao recém-lançado pelo governo brasileiro? A resposta é obviamente negativa. Em todas as comparações internacionais, diferenças enormes serão notadas quanto à natureza da tributação, aos custos do investimento, à qualidade da educação, às políticas de ciência e tecnologia, às estratégias de inserção internacional e assim por diante.

Perguntas semelhantes valem para a maior parte das demais indústrias. O Brasil foi classificado em 37.º lugar em competitividade, entre 82 países, numa pesquisa da revista britânica The Economist. Não se trata só da indústria automobilística ou de outro segmento da produção, mas do País, considerado como unidade produtiva. Essa e outras pesquisas mostram o Brasil em posição muito inferior às de dezenas de outras economias, muitas delas de industrialização recente.

A conclusão é inevitável. Há algo errado com o País e nenhum problema básico será resolvido por meio de benefícios fiscais ou financeiros a setores ou grupos selecionados. O resultado será sempre medíocre para o Brasil, muito vantajoso para alguns e muito custoso para a maior parte da sociedade. É muito mais cômodo, para o governo, insistir nesse tipo de política do que enfrentar as questões essenciais. A tentação é compreensível. Tudo seria mais aceitável se governos fossem eleitos para cuidar somente das tarefas mais fáceis.