Título: A revisão do superávit fiscal terá efeitos ruins
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/10/2012, Economia, p. B2

O Comitê de Política Monetária (Copom) nos havia habituado a ler, entre as hipóteses que fundavam suas expectativas, que até o final do ano seria obtido um superávit primário de R$ 155,9 bilhões. Agora, a equipe econômica já deixa claro que esse objetivo não poderá ser atingido.

Ora, aquela hipótese era essencial, pois não se devem menosprezar as consequências de um superávit dessa ordem sobre a economia.

Se o governo central está gastando mais do que previa, vamos ter duas consequências: de um lado, um aumento da dívida pública, com mais juros a pagar e, provavelmente, mais elevados que os exigidos hoje; e, de outro, uma ampliação da liquidez do sistema financeiro, que deve possibilitar aumento dos créditos - parece ser esse o objetivo -, descartando-se, assim, qualquer medida de contenção dessa expansão, por exemplo, pelo aumento do recolhimento compulsório.

Num ambiente de grande liquidez, que na fase atual deve ainda ser acompanhado por uma redução da taxa de juros, é evidente que haverá uma tendência de difícil controle para o surgimento de pressões inflacionárias. Isso num momento em que outros fatores já estão contribuindo para elevar os preços em geral - por exemplo, no caso dos produtos agrícolas, em consequência da seca.

Não se pode dizer, entretanto, que essas consequências sejam uma fatalidade, pois tudo depende da natureza das despesas que o governo vem fazendo e que levaram a prever a redução do superávit primário de 2012.

Se se trata de uma elevação das despesas de custeio, que têm um efeito imediato sobre o nível de liquidez, a pressão inflacionária dificilmente será neutralizada. Porém, se se trata de investimentos na infraestrutura, cujos desembolsos são progressivos e que, em princípio, estarão contribuindo para reduzir os custos da indústria, o efeito pode ser rapidamente positivo.

Temos apenas de lamentar a lentidão das decisões do governo no que se refere a iniciar alguns desses investimentos, e, em particular, os vinculados a concessões ou realizados no quadro de Parcerias Público-Privadas (PPPs), cuja grande vantagem é não representarem um ônus para as finanças públicas e serem geralmente financiados por aporte de poupança externa.

No entanto, como mostram os investimentos portuários ou rodoviários, o governo demora muito tempo, seja para elaborar os contratos, seja para estabelecer normas que poderiam servir de modelo para todas as novas operações.