Título: Evasão de divisas: existiu ou não existiu?
Autor: Recondo, Felipe ; Gallucci, Mariângela
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/10/2012, Nacional, p. A4

Na sessão de ontem do julga­mento da ação penal 470, dois acusados foram absolvidos da prática do crime de evasão de divisas. No centro da discussão está o problema da duplicidade de esferas do direito atuando sobre os mesmos fatos: o debate mostrou que a pergunta so­bre a existência ou não de certos crimes está lon­ge de poder ser respondida só pela esfera penal.

No voto do relator, não houve questionamento sobre a responsabilidade dos acusados sobre a mo­vimentação financeira no exterior. Tampouco questionou-se a força probatória dos laudos e do­cumentos financeiros juntados aos autos. A absol­vição, acompanhada pelo revisor, baseou-se no modo como o relator interpretou a norma penal. De acordo com o entendimento apresentado no voto, a inexistência do crime de evasão de divisas decorre da leitura conjunta da lei de colarinho branco (que define o crime de evasão de divisas) e da circular do Banco Central (BC) que estabelece aa forma, os limites e as condições" das declara­ções de valores detidos no exterior.

As circulares do BC estabelecem expressamen­te parâmetros monetários para a exigência da refe­rida declaração - e a vigente à época dos fatos esta­belecia valores muito superiores àqueles identifi­cados nas contas bancárias, conforme o relator. O crime de evasão de divisas, por sua vez, atribui pe­nas de 2 a 6 anos de reclusão e multa para quem "mantiver depósitos (no exterior) não declarados à repartição federal competente". Na leitura con­junta proposta pelo relator, a norma penal se com­pleta pela norma administrativa, isto é, não haven­do a obrigatoriedade de declarar, por força da cir­cular do BC, não há que se falar em crime, mesmo não pairando dúvidas sobre a existência de depósitos no exterior ou sobre a titularidade da conta.

O entendimento, em sentido contrário, de que a circular é irrelevante para a afirmação da ocor­rência de evasão de divisas poderia levar à conde­nação dos mesmos acusados pelos mesmíssimos fatos. As poucas absolvições pronunciadas até o momento na ação penal 470 basearam-se sobretu­do na insuficiência das provas e pouco se discutiu sobre a existência ou não dos crimes elencados pe­la acusação. A divergência entre os ministros so­bre o papel da circular nesse caso traz à luz o deba­te sobre os limites da atuação do direito penal so­bre fatos regulados pela esfera administrativa.