Título: 70% da alta do crédito vem do BB e da Caixa
Autor: Modé, Leandro
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/10/2012, Economia, p. B3
Analistas veem risco na estratégia agressiva das instituições controladas pelo governo
Os bancos públicos responderam por 71% do aumento do estoque de crédito no País em 2012, enquanto os privados nacionais tiveram participação de 17% e os privados estrangeiros, de 12%. Os dados, extraídos do relatório de política monetária e crédito do Banco Central (BC) de agosto, foram compilados pelo economista Roberto Luís Troster, que durante anos dirigiu a área econômica da Federação Brasileira de Bancos (Febraban).
A diferença no desempenho repete o cenário de 2008 e 2009, quando as instituições controladas pelo governo federal também expandiram os empréstimos em velocidade muito superior à dos concorrentes privados. Para muitos analistas, porém, as semelhanças param por aí. Eles argumentam que, lá atrás, a conjuntura era de crédito travado em razão da crise global. Hoje, o dinheiro circula normalmente.
O abismo entre os números é explicado pela estratégia distinta adotada pelos dois ramos da indústria financeira em 2012. Por meio do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal, o público vem atuando conforme a orientação do governo de 1) estimular a atividade econômica com mais crédito e 2) aumentar a concorrência no setor financeiro.
Os privados, de seu lado, sofreram durante boa parte do ano com o aumento da inadimplência, que os levou a ficar mais cautelosos na concessão de empréstimos. A tendência para os calotes, aliás, é de queda neste último trimestre do ano, de acordo com especialistas.
"O problema é que os índices de eficiência das instituições públicas é pior e elas não suportam as reduções de taxas de juros (aos clientes) como as que têm sido feitas", argumenta Troster. "A conta vai chegar e será necessário mais reforços de capital. Quem pagará é o contribuinte. Há uma socialização do prejuízo."
Troster ressalva que concorda com o argumento dos dirigentes dos bancos públicos de que é possível reduzir taxas as taxas cobradas dos clientes. "Mas, para tanto, é preciso reduzir custos e não subsidiar preços baixos."
O analista de instituições financeiras da Austin Rating, Luís Miguel Santacreu, também tem uma visão crítica em relação à estratégia dos bancos públicos, ainda que menos ácida que a de Troster. "A exposição dessas instituições ao risco aumentou", afirmou.
Ele observa que, se houver um problema econômico inesperado, como o recrudescimento da crise global, os bancos públicos poderão ter problemas. "Só então saberemos se a política de crédito do BB e da Caixa hoje está sendo bem feita." Santacreu lembra que, hoje, não é possível saber. "Em um primeiro momento, os índices de inadimplência de quem expande fortemente o crédito tendem a se manter estáveis ou até melhorar."
Defesa da estratégia
Em conversa com o Estado, o vice-presidente de Negócios de Varejo do Banco do Brasil, Alexandre Abreu, defende a estratégia da instituição e rebate os críticos. "Discordo veementemente da ideia de que estamos elevando o risco de nossas operações", disse. "Não alteramos em nada nossa política de concessão de crédito, embora estejamos crescendo mais do que os concorrentes."
Abreu destaca dois dados. O primeiro deles é uma medida que aponta, mês a mês, o porcentual de operações de crédito que registraram atrasos já na terceira prestação do financiamento. "Esse indicador tem mostrado estabilidade, até com uma certa melhora", afirmou. "Se percebêssemos alguma piora, certamente faríamos ajustes em nossa operação."
O segundo dado é o que mede o risco dos clientes do banco. Uma resolução do Banco Central (BC) define que um cliente do sistema financeiro nacional deve ser enquadrado conforme uma escala que começa com AA e termina com H. "No nosso caso, a participação de clientes no intervalo AA até C vem aumentando trimestre após trimestre, o que significa que a qualidade da carteira está até melhorando", garante.
De acordo com Abreu, essa melhora em meio à forte expansão do crédito é explicada por dois fatores: clientes que não tomavam empréstimos passaram a fazê-lo por causa do custo do dinheiro mais baixo; e as taxas de juros inferiores abriram espaço na renda dos clientes para mais endividamento.
O vice-presidente de finanças da Caixa, Marcio Percival, também rechaça as críticas. "Estamos crescendo com responsabilidade, com qualidade", disse. Assim como Abreu, ele destaca alguns pontos para sustentar seu argumento. Em primeiro lugar, afirma que a Caixa está crescendo sobretudo em linhas de menor risco - imobiliário e consignado. Em segundo, lembra que o banco vem crescendo nesse ritmo desde 2008. "E não tivemos alta da inadimplência", disse.
O terceiro ponto, segundo Percival, é que o banco adota modelos de avaliação de risco "extremamente conservadores" e monitora frequentemente os dados de inadimplência. Por fim, o executivo cita que o crescimento da base de clientes tem se dado nas faixas de menor risco de clientes - de AA a C, como no Banco do Brasil. "Eu convido os analistas a se debruçar com profundidade sobre os balanços da Caixa."