Título: O maior déficit é de confiança
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/10/2012, Notas e informações, p. A3

A crise continua, quatro anos depois da quebra do banco Lehmann Brothers, a economia global piorou nos últimos três meses e os grandes países endividados, a começar pelos Estados Unidos, ainda levarão alguns anos para arrumar suas contas públicas, informou o FMI ao abrir os trabalhos preliminares de sua reunião anual, em Tóquio.

O Monitor Fiscal, relatório periódico sobre a evolução das contas públicas, começa com uma informação positiva, mas logo muda de tom. O ajuste dos orçamentos avançou em muitos países, mas continua lento naqueles mais endividados e sujeitos a pressões do setor financeiro.

A arrumação orçamentária tem sido dificultada tanto pelo baixo ritmo da economia quanto pelas novas ondas de insegurança nos mercados. Se nenhum grande desastre ocorrer, a dívida bruta do governo americano, estimada em 107,2% do PIB, continuará em crescimento, ficará estabilizada em 114,2% em 2015 e 2016 e só então começará a diminuir.

Na zona do euro, o pico, de 94,9% em média, será atingido no próximo ano e a queda começará em seguida. A Itália deve seguir esse ritmo e sua dívida, segundo a previsão, chegará ao topo - 127,8% - já no próximo ano. Em 2017, se tudo der certo, terá recuado para 120,6%. Na Espanha o ponto mais alto deve ser alcançado em 2016, com 101,4%.

Há, no entanto, o risco ainda considerável de mais deterioração econômica nos países mais desenvolvidos. Nesse caso, pelo menos os governos com algum espaço fiscal deverão retardar o ajuste, para dar prioridade à retomada, aconselham os autores do relatório. No mínimo, deverão evitar um agravamento da situação. Um aperto maior das contas públicas americanas em 2013 é um dos perigos apontados.

Se um novo impasse político forçar um grande aumento de impostos e uma forte contração dos gastos, o país poderá afundar numa nova recessão. Evitar o chamado abismo fiscal é um dos principais desafios para os políticos americanos, segundo o FMI. A decisão política é interna, mas a conta vai para todo o mundo.

Nesse quadro, o cenário das economias emergentes e em desenvolvimento é animador, embora as projeções de crescimento desse grupo também tenham sido cortadas. Alguns desses países - como os latino-americanos - têm hoje menos espaço para políticas compensatórias em caso de agravamento da crise mundial. Mas sua situação fiscal é muito melhor, em geral, do que a dos países mais desenvolvidos, embora nenhum seja imune aos efeitos da insegurança nos mercados.

O Brasil continua classificado entre as economias bem comportadas, embora precise de reformas, segundo o FMI, para crescer de forma sustentada a médio prazo. O Fundo parece apostar na vocação do governo brasileiro para a austeridade, embora projete para este ano um resultado fiscal inferior ao previsto inicialmente. Segundo o Monitor, o superávit primário deve ficar em 2,7% do PIB. Pela promessa embutida no projeto orçamentário deveria ser de 3,1%. Mas o desvio deve ser passageiro, segundo o relatório: a previsão indica superávit de 3,2% em 2013 e de 3,1% nos anos seguintes até 2017.

Apesar da confiança, uma exortação pode ser útil. Interrogado sobre a possibilidade de uma redução da meta fiscal, o economista Philip Gerson, diretor adjunto do Departamento de Assuntos Fiscais do FMI, foi claro: o governo brasileiro precisa manter o objetivo fixado nos últimos anos. Tudo seria mais simples se houvesse nos mercados uma expectativa semelhante em relação à política fiscal dos grandes países endividados. Falta confiança, no entanto, e esse é um dos componentes centrais da crise, como observou o economista-chefe do Fundo, Olivier Blanchard.

Mas nem tudo é desânimo no mundo rico. No saguão do enorme Fórum Internacional de Tóquio, palco da reunião do Fundo, uma mostra de tecnologia exibe dois vasos sanitários, um moderno, outro moderníssimo, com o seguinte recado: "É uma pena jogar fora coisas que ainda podem ser úteis". Há muito mais otimismo nessa frase do que na maior parte dos últimos relatórios do FMI.