Título: A presença da latinidade fora da América Latina
Autor: Rocha, Marco Antonio
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/10/2012, Economia, p. B2

Houve tempos em que a América Latina era levada a sério no mundo. Na época dos descobrimentos, por exemplo, por causa das riquezas reais ou imaginárias - ouro, prata, madeiras, pedras preciosas e presumíveis especiarias que se verificaram inexistentes.

Mais tarde, no jogo de xadrez mundial dos grandes reinos europeus, os países da América Latina viraram assunto de elevada consideração política e estratégica: Portugal, Espanha, Inglaterra, Holanda, França, Dinamarca e até o Japão e a Rússia dos czares prestavam muita atenção no que acontecia neste trecho do mundo e se esforçavam por "meter o bico" - expressão antiga, mas muito apropriada, que renasceu no bate-boca eleitoreiro paulistano.

Antes um pouco da nossa independência, o casamento do futuro imperador do Brasil - então, pouco mais que um adolescente, com 19 anos - foi tema de muitas preocupações e negociações na mais poderosa corte europeia da época, a de Viena, sede do Império Austro-húngaro. E a arquiduquesa dona Leopoldina, a escolhida, era nada mais, nada menos que filha de Francisco I e Maria Teresa de Bourbon, herdeiros do Sacro Império Romano-Germânico e imperadores da Áustria.

Mas isso é história que hoje só interessaria a revistas de celebridades. Naquele período, foi um problema de escala mundial.

Parece que a perda de importância da América Latina na grande política internacional correu em paralelo com dois processos: de um lado, a decadência do poder e subdivisão dos grandes impérios, com a afirmação do poder quase monolítico dos Estados Unidos; e, de outro, a ascensão dos países sul-americanos ao regime republicano, sem que realmente tivesse havido uma evolução política para repúblicas. Getúlio Vargas, ainda pouco antes de assumir o poder em 1930, dizia, junto com grande parte dos líderes brasileiros da sua época, que esse tipo de regime só tinha dado certo nos Estados Unidos, por condições peculiares. Outras "repúblicas" ou eram meras tentativas de imitação ou classificadas como republiquetas. E a América Latina ficou sendo a região das republiquetas, a despeito do tamanho das suas repúblicas. Hoje em dia, talvez só o Brasil, o México, a Argentina e o Chile tenham deixado de ser olhados como republiquetas.

Os esforços de presidentes latino-americanos sérios, como os do Brasil depois da redemocratização, em contribuir para a melhoria da imagem e da voz do continente no concerto das nações, nas assembleias da ONU e em alguns empreendimentos coletivos internacionais são sabotados pela atoarda dos bufões que ainda presidem economias importantes desta região, como os Chávez, os Morales e, quase na fronteira do ridículo, as Cristinas.

Mas o pior é que os líderes que realmente podem ser levados a sério, quando se reúnem com o "coletivo" latino-americano, tendem a se mimetizar, bajulam a patuleia nas reuniões e aderem a "latinidades" da moda, que só reforçam a velha imagem de um bando de republiquetas reclamonas e sem foco.

A imprensa brasileira não ajuda seu público a avaliar a dimensão do problema. Os pronunciamentos de nossas autoridades em fóruns mundiais ou latino-americanos são transcritos em jornais, exibidos nas TVs e ouvidos nas rádios pelo valor de face, quase sem nenhum comentário de especialistas ou indicação da repercussão, isto é, do que acharam deles os representantes de outros países ali presentes. São resumos do que a própria autoridade disse e quase nada do que significam para o resto do mundo.

Na semana passada, por exemplo, ocorreu em Lima, no Peru, a 3.ª Cúpula América do Sul-Países Árabes. Ninguém perguntou por que as chancelarias da América do Sul acham que reuniões de cúpula com países árabes - cujos governos e regimes escapam a qualquer definição, e é até difícil de saber onde se localizam - seriam uma boa forma de promover a imagem do continente no mundo e reforçar a união interna.

E no documento chamado Declaração de Lima, que pouco ou nada difere do anterior, a Declaração de Doha, o que se lê poderia estar no manual do óbvio ululante de Nelson Rodrigues, caso existisse. Só não é obviamente compreensível a adesão quase incondicional dos governos latino-americanos aos pleitos dos países árabes, sem que houvesse menção de reciprocidades equivalentes da parte daquelas "nações irmãs".

A defesa dos interesses árabes por países latino-americanos desce ao incrível detalhe de "buscar solução" para o problema, que não se sabe qual seja, de três minúsculas ilhas no litoral do Irã. Mas também exorta Israel a se retirar dos territórios árabes ocupados em 1967 e a não mais instalar assentamentos. Talvez fosse o caso de os países árabes, em retribuição, exortarem a Inglaterra a abandonar as Malvinas ou venderem petróleo a módicos preços para a América Latina.

O fato é que, enquanto a latinidade sul-americana não aprender a cuidar com maturidade dos seus próprios interesses, a imagem externa continuará a ser a de um bando confuso. Nada melhor do que a dos árabes.